Relação critica Ministério Público e revoga medidas de coacção do rabino do Porto

Daniel Litvak estava obrigado a apresentar-se três vezes por semana na Polícia Judiciária, proibido de contactar com o arguido João Almeida Garrett e de se ausentar do território nacional.

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Daniel Litvak, rabino da Comunidade Israelita do Porto, é suspeito de crimes como tráfico de influências, corrupção activa, branqueamento de capitais Nelson Garrido

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) revogou as medidas de coacção impostas ao rabino da Comunidade Israelita do Porto, Daniel Litvak, considerando que a acusação do Ministério Público assenta numa “generalização sem fundamento factual”.

Segundo o acórdão de terça-feira do TRL, a que a Lusa teve esta quarta-feira acesso, os juízes desembargadores deram provimento total ao recurso apresentado pela defesa em Julho contra as medidas de coacção e deixaram o arguido apenas sujeito a termo de identidade e residência (TIR), cessando a proibição de se ausentar de Portugal (com a entrega dos seus dois passaportes), as apresentações às autoridades três vezes por semana e a proibição de contactos com o também arguido João de Almeida Garrett.

“É revogado o despacho recorrido na parte em que sujeitou o recorrente às medidas de coação de obrigação de se apresentar diariamente às segundas, quartas e sextas-feiras na Polícia Judiciária da área da sua residência, proibição de contactar pessoalmente ou por qualquer meio com o arguido João Almeida Garrett e proibição de se ausentar do território nacional, devendo proceder à entrega dos seus passaportes à guarda dos presentes autos”, pode ler-se no documento.

No entanto, o acórdão assinado pelos magistrados Paulo Barreto, Alda Tomé Casimiro e Anabela Simões Cardoso foi mais longe e critica a acusação do Ministério Público (MP), que imputa a Daniel Litvak os crimes de falsificação de documento, tráfico de influências, corrupção activa, branqueamento de capitais e associação criminosa no caso sobre alegadas ilegalidades na concessão de nacionalidade ao abrigo do regime para descendentes de judeus sefarditas.

“Diz-se que o arguido, no exercício das suas funções, tinha conhecimentos e ligações privilegiadas nas Conservatórias, o que lhe permitia que fosse atribuída prioridade aos pedidos de aquisição de nacionalidade aos judeus sefarditas. Mas não há um único facto a concretizar esta conclusão, designadamente que funcionários tinham ligações privilegiadas com o recorrente e, mais importante, em que consistiam tais conhecimentos e privilégios”, referiram.

Sublinhando que o dolo atribuído à conduta do arguido assenta “em nada”, o acórdão contestou igualmente a questão das verbas que Daniel Litvak alegadamente teria recebido pela emissão dos certificados de nacionalidade no âmbito da actividade da Comunidade Israelita do Porto (CIP) e alude até ao processo ligado ao multimilionário russo Roman Abramovich, sobre o qual foi lançada a investigação ao regime de atribuição da cidadania para descendentes de judeus sefarditas.

“Refere-se que parte do dinheiro recebido pela CIP para a emissão do certificado que ateste a descendência judaica dos requerentes da nacionalidade portuguesa é desviado para os arguidos Daniel Litvack e João de Almeida Garrett. Tudo igualmente conclusivo, sem factos concretos. Que montantes, quem pagou, quando, relativos a que processo de naturalização? Nem sequer elementos relativos ao processo de naturalização de Roman Abramovich, que surge como referência nos meios de prova. Tudo conclusivo”, assinalaram os juízes.

E acrescentaram: “Em que processos de naturalização atestou o recorrente, forjadamente, a qualidade de descendente de judeus sefarditas portugueses? É tudo igualmente conclusivo. Deveria ter-se partido do facto concreto, de processos concretos de naturalização. Há uma generalização sem fundamento factual”.

O acórdão da Relação de Lisboa considerou também que o MP falhou ainda em apresentar “referência a um processo concreto, a um documento falso, a um pagamento ou a um recebimento indevidos, a um indício do esquema criminoso”, sem deixar de salientar que não foi fundamentado um aproveitamento ilícito do rabino da CIP no exercício das suas funções ou que tenha havido um exemplo de uma atribuição indevida da nacionalidade portuguesa.

“Tudo visto, sem factos concretos imputados, tudo conclusivo, a defesa do recorrente fica impossível. Como é que alguém se defende só de generalidades?”, escreveram os juízes, sentenciando: “Face ao exposto, é manifesto que não é sequer possível chegar aos factos mesmo por via da prova indiciária. Das funções do recorrente e do procedimento de naturalização dos descendentes de judeus sefarditas portugueses não se pode concluir (...) que o recorrente tenha praticado os factos que lhe são imputados”.

A Procuradoria-Geral da República confirmou em 19 de Janeiro que a concessão da nacionalidade portuguesa ao empresário russo Roman Abramovich ao abrigo da Lei da Nacionalidade para os judeus sefarditas (judeus originários da Península Ibérica que foram expulsos de Portugal no século XVI) estava a ser alvo de uma investigação do MP.