Nasceu o maior projecto europeu ligado à genómica para estudar a biodiversidade
Programa de financiamento europeu atribuiu mais de 17 milhões de euros a consórcio de cientistas que vai usar a genómica para entender melhor a biodiversidade europeia e tentar reverter a sua perda. O CIBIO-InBIO, no Porto, é o parceiro português deste projecto.
Há um novo projecto científico que quer usar a genómica para melhorar a compreensão da biodiversidade da Europa e reverter a sua perda. Chama-se “Genómica da Biodiversidade da Europa” (Biodiversity Genomics Europe, em inglês) e conta com a participação de 33 entidades de diferentes países europeus, incluindo de Portugal. É considerado o maior projecto ligado à genómica na Europa para o estudo da biodiversidade. Através do programa de financiamento europeu Horizonte Europa, foram-lhes atribuídos 17,2 milhões de euros, anunciou-se esta quarta-feira.
A biodiversidade é uma das grandes palavras de ordem deste projecto. Afinal, os números não deixam dúvidas para os desafios que enfrenta: uma em cada quatro espécies do planeta está actualmente ameaçada de extinção, o que coloca em risco meios de subsistência, o abastecimento alimentar ou ciclos essenciais de água, assinala-se num comunicado sobre o trabalho.
Como enfrentar então essa ameaça? A genómica [um ramo da genética que consiste no estudo de um genoma completo de um organismo] pode ser uma ferramenta importante para se conhecer melhor a biodiversidade e responder a pressões ambientais. É com ela que o projecto “Genómica da Biodiversidade da Europa” vai tentar inverter a perda de biodiversidade europeia.
Este projecto junta cientistas de 33 entidades de 20 países da Europa, incluindo de Portugal com a associação Biopolis/Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) da Universidade do Porto.
Espera-se que este projecto possa contribuir para medidas mais informadas ao nível da biodiversidade. “O conhecimento da composição genética das espécies e populações naturais e da sua evolução é fundamental para delinear medidas de conservação adequadas para combater a actual crise da biodiversidade”, nota José Melo Ferreira, um dos investigadores do CIBIO-InBIO, envolvido no trabalho.
O cientista não tem dúvidas que o trabalho que será desenvolvido permitirá conhecer, ao detalhe, a genética das espécies na Europa e que o os dados serão usados para a sua monitorização. “Nos próximos três anos e meio, este projecto transformará a paisagem europeia para a aplicação da genómica para o estudo e conservação da biodiversidade e estabelecerá as bases para um combate eficaz da crise da biodiversidade nas próximas décadas.”
Estarão neste consórcio investigadores especialistas em duas tecnologias fundamentais baseadas na análise ao ADN e que pertencem a duas redes europeias: a BIOSCAN Europa, que se foca no uso de códigos de barra de ADN; e o Atlas Europeu de Genoma de Referência (ERGA, na sigla em inglês), que está interessado em genomas completos.
Antes de avançarmos, ajudará conhecer (ou rever) esses dois conceitos. Os códigos de barras de ADN são sequências curtas de material genético (os nucleótidos do ADN) e permitem distinguir as espécies, tal como os códigos de barra dos produtos no supermercado. Já o genoma refere-se a toda a informação hereditária de um organismo que está codificada no ADN. A sequenciação dos genomas vai assim determinar a ordem dos nucleótidos do ADN no código genético de cada espécie. Para quê? Pode-se identificar genes e outras características.
Um atlas da agricultura às pragas
Participam neste projecto instituições como o Instituto Wellcome Sanger (no Reino Unido), o Museu de História Natural de Londres, o Conselho Nacional de Investigação Espanhol, o Laboratório Europeu para a Biologia Molecular (Alemanha) ou o Centro Nacional de Sequenciação Francês. É neste último que trabalha Pedro Oliveira, que é responsável pelo laboratório de genómica.
O cientista português indica-nos que há duas grandes metas neste projecto. Uma delas é criar uma infra-estrutura europeia para se gerarem sequências genómicas completas e com qualidade de referência para espécies que representem a biodiversidade europeia. “[Vai ser] um atlas de sequências genómicas de referência de espécies europeias importantes para a agricultura, pesca e processos ecossistémicos-chave, bem como de espécies endémicas e ameaçadas, pragas e vectores de doenças” prevê o investigador.
A outra grande meta será a sequenciação de aproximadamente 45.000 códigos de barra genéticos de 30.000 espécies. “O consórcio tem o objectivo primordial de acelerar o uso da genómica e da sequenciação genética em larga escala para melhorar a compreensão da biodiversidade, monitorizar a mudança da biodiversidade e orientar intervenções para lidar com seu declínio”, resume Pedro Oliveira sobre o projecto que durará quatro anos numa primeira fase.
Quanto ao que se vai fazer em concreto, o cientista conta que o seu laboratório faz parte de um subgrupo de sete instituições que vai sequenciar o genoma completo de entre 350 e 500 espécies. “O meu laboratório irá sequenciar algumas boas dezenas”, informa.
As restantes entidades – como o CIBIO-InBIO – participarão noutras actividades. Pedro Beja, José Melo Ferreira e Sónia Ferreira coordenam este projecto no CIBIO-InBIO. O centro em Portugal terá um financiamento de 1,3 milhões de euros desta iniciativa.
José Melo Ferreira explica que o centro de investigação português terá um papel transversal no projecto e que participará nas principais actividades para a criação de redes de amostragem adequadas ao conhecimento da biodiversidade e monitorização, bem como da curadoria de bibliotecas de códigos de barras de ADN.
Também coordenará o desenvolvimento de aplicações genómicas no projecto. “Estas actividades permitirão estabelecer as bases e metodologias para uma monitorização da biodiversidade com base na identificação das comunidades de espécies e da sua diversidade genética, e a compreensão do impacto de doenças nas populações naturais”, esclarece o investigador.
Sónia Ferreira complementa que este projecto tem o objectivo de “criar alicerces de uma rede colaborativa europeia e apoiar o funcionamento em rede de numerosas instituições visando a sequenciação de genomas e a sequenciação de códigos de barras de ADN”. “Pretende-se que todos trabalhem em conjunto para possibilitar a sequenciação da biodiversidade da Europa.”