Lobos, ursos, castores: estes e outros animais estão a aumentar na Europa
Relatório que analisa a recuperação de 50 espécies de animais em solo europeu mostra o impacto positivo que diferentes medidas de conservação da natureza podem ter.
Animais como a águia-rabalva, o bisonte-europeu, o castor-europeu, o lobo e o urso-pardo estão entre as espécies que no passado já estiveram numa situação preocupante e cujas populações estão, presentemente, a ficar mais robustas na Europa. Indica-o um grande relatório que foi encomendado pela organização sem fins lucrativos Rewilding Europe, juntou cerca de 70 especialistas e analisou dados referentes à recuperação de 50 espécies com presença em território europeu.
O relatório, publicado nesta terça-feira, chama-se Wildlife comeback in Europe: opportunities and challenges for species recovery (Regresso da vida selvagem na Europa: oportunidades e desafios para a recuperação de espécies) e surge quase uma década depois de, em 2013, ter saído um primeiro relatório com o mesmo nome.
Especialistas da organização de defesa das aves BirdLife International, do Conselho Europeu do Censo de Aves e da Sociedade Zoológica de Londres (ZSL, na sigla inglesa), voltaram a analisar dados de fontes como por exemplo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla inglesa) e o Índice Planeta Vivo, que rastreia as tendências na abundância global de vida selvagem, para perceber como é que, ao longo dos últimos 43 anos, os números populacionais e a distribuição geográfica de 24 mamíferos, 25 aves e um réptil têm evoluído.
O relatório inclui dados sobre 13 espécies (seis mamíferos, seis aves e um réptil) que não tinham sido estudadas no âmbito da publicação de 2013.
Quanto ao porquê de, uma vez mais, a lista de espécies não contar com insectos ou plantas, a explicação é simples — e foi dada, ao jornal britânico The Guardian, por Louise McRae, investigadora da ZSL e co-autora do relatório. Resumidamente, há muito menos dados que permitam traçar tendências de longo prazo. “Tanto no que toca à monitorização como no que toca à conservação, espécies que são maiores ou mais carismáticas podem às vezes ser favorecidas”, admite a especialista.
O castor
O relatório apresenta números animadores. Comecemos por alguns dos mamíferos. Segundo o relatório, a distribuição geográfica do castor-europeu aumentou 835% entre 1955 e 2020. Falamos de um animal que, no início do século XX, chegou a estar em risco de extinção devido a perda de habitat e pressões humanas (caça). Actualmente, a sua população ultrapassa os 1,2 milhões de indivíduos na Europa.
A nível local, a espécie está extinta em países como Portugal e a Turquia, mas programas de protecção e reintrodução do castor-europeu surtiram efeito em muitas outras nações, como Escócia e Espanha. Por estes dias, o mamífero, cujas populações na Europa ocidental e na central parecem estar a atravessar um momento de particular prosperidade, é, segundo a classificação da IUCN, uma espécie “pouco preocupante”, no sentido em que não correrá risco de extinção.
O bisonte
Outro mamífero que tem recuperado ao longo das últimas décadas é o bisonte-europeu. Animal que, durante a Idade Média, também foi muito castigado por perda de habitat e caçadores (que comercializavam a sua pele e usavam os chifres para armazenar bebidas), o mamífero começou a ser reintroduzido no início da década de 1950. Em 2019, um programa de reintrodução do animal na Bulgária permitiu ao bisonte-europeu ocupar uma região montanhosa que já não habitava desde, precisamente, a Idade Média.
O animal ainda está numa situação de fragilidade, mas começa a haver progressos. Se em 1996 a IUCN classificou a espécie como “em perigo”, hoje ela é “vulnerável”. Ainda há muito a fazer, mas o cenário é agora ligeiramente menos dramático do que há um quarto de século.
O lobo
Passando de um herbívoro para um carnívoro, o lobo — animal que, por ser visto como um perigo para os humanos, foi historicamente perseguido por caçadores (o que levou a diversas extinções locais) — também está em recuperação.
O facto de as regiões montanhosas (o habitat dos lobos) estarem a ficar com uma presença humana mais reduzida é um dos factores que têm ajudado. Mas não é o único: a criação de instrumentos legais para proteger o animal — como, por exemplo, a directiva Habitats, que visa proteger cerca de 220 habitats europeus e mil espécies — e a implementação de programas de reintrodução também têm sido determinantes.
O relatório diz que, em 2018, havia pelo menos 17 mil lobos na Europa (este número não inclui os lobos que habitam a parte europeia da Rússia). Na Escócia, há quem queira reintroduzir o animal na floresta das Terras Altas (a região montanhosa da zona norte do país), mas o Governo, que todos os anos tem de gastar dinheiro no abate anual de um determinado número de veados (herbívoros que, sem a presença de uma espécie predadora no ecossistema, estão a proliferar e a criar um desequilíbrio na floresta, comendo demasiadas árvores, por exemplo), ainda não se revelou interessado na ideia.
O urso-pardo
A criação de leis protectoras da biodiversidade também tem beneficiado os ursos-pardos, mas o relatório frisa que ainda há muitos conflitos entre ursos e humanos. “A convivência com carnívoros ainda é um desafio, mas as atitudes estão a mudar”, considera, apesar de tudo, a já citada Louise McRae ao The Guardian.
Aves com grandes recuperações
Olhando agora para as aves, o relatório assinala que, no que diz respeito à sua distribuição, 19 das 25 espécies consideradas têm vindo a crescer desde a década de 1980.
A águia-rabalva, espécie cuja população sofreu um declínio dramático entre o século XIX e a década de 1970, é um exemplo de uma ave que tem recuperado de forma “espectacular”. Dois grandes factores têm que ver com a proibição de químicos como o pesticida DDT e, por outro lado, a criação de leis que têm mantido o animal mais ou menos a salvo da perseguição humana — a directiva Aves é mencionada amiúde no relatório.
Acção humana a ajudar
“Para a maioria das espécies analisadas em 2013, os aumentos em termos de números populacionais e distribuição geográfica têm continuado”, aponta o relatório. Dito isto, há um mamífero e seis aves cujas distribuições ficaram mais magras. A águia-imperial-oriental e o garajau-rosado, duas espécies vulneráveis, são exemplos.
O facto de a dispersão de um animal ser agora menos expressiva do que há uns anos não significa necessariamente uma diminuição na sua abundância. Mas algumas das 50 espécies estudadas no relatório têm populações que estão, de facto, em declínio. Uma delas é o pato-de-rabo-alçado, que, se parece estar bem em Espanha, onde vêm a acontecer acções de conservação que têm surtido efeito, está a ficar com uma população mais pequena em países como a Turquia.
Embora muitas das espécies estudadas tenham recuperado ao longo das últimas décadas, importa ter em mente que a recuperação está a surgir após muitos anos de declínio, o que quer dizer que a situação ainda não é totalmente favorável. De qualquer forma, o relatório traz boas notícias — e não só indica que algumas espécies estão a sair de uma zona de perigo acrescido, como permite perceber claramente o que está a tornar isso possível.
Da mesma forma que os casos de declínio são explicados sobretudo por factores como perseguição humana e perda de habitat, os casos de recuperação surgem associados a diversas medidas de conservação, como a criação de áreas protegidas, a implementação de programas de monitorização ou reintrodução de espécies e, ainda, a aplicação das directivas Aves e Habitats.
“A grande maioria [das espécies] recuperou devido ao esforço humano”, refere Louise McRae, que acrescenta: “Enquanto uma investigadora que trabalha no campo da biodiversidade e analisa as tendências globais, pode ser bastante deprimente ouvir as estatísticas mais recentes, mas este relatório é verdadeiramente encorajador — e inspira pessoas como eu a continuar a fazer aquilo que estamos a fazer.”