Para ter futuro, o Partido Democrático pós-Letta tem de se refundar

Perdido entre o Movimento 5 Estrelas e o bloco centrista, o PD apresentou-se a votos incapaz de encantar e mobilizar eleitores. Letta não se recandidata à liderança.

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Letta, na conferência de imprensa em que anunciou o fim do seu percurso à frente do PD, em Roma EPA/ALESSANDRO DI MEO

É provável que nem os maiores críticos internos de Enrico Letta no Partido Democrático considerem que cabe ao secretário-geral a maior parte da responsabilidade do resultado nas legislativas. Mas num cenário em que é preciso mudar tudo, faz sentido que a mudança comece por aí. Letta não esperou muito para anunciar que não se recandidatará num congresso que quer ver realizado o mais cedo possível.

“É preciso um novo congresso, para um novo PD”, afirmou o ex-primeiro-ministro. “Depois de mim, espero uma nova geração”, acrescentou. E ainda: “assumo a responsabilidade do resultado”.

Apanhado em clara desvantagem pelo derrube do Governo de Mario Draghi, que apoiava, o PD só podia ter feito uma coisa para tentar evitar ou, pelo menos, aliviar o pior. E aí é factual, Letta não conseguiu alargar a coligação de centro-esquerda e falhou. As consequências eram conhecidas. Com uma lei eleitoral que beneficia claramente as coligações, o PD pode acabar por eleger menos deputados do que a Liga, de Matteo Salvini, na Câmara dos Deputados, apesar de ter mais do dobro dos votos (19,7% para 8,77%).

A referência a “uma nova geração”, somada ao facto de Letta ter dito anteriormente que esperava que fosse uma mulher a suceder-lhe, pôs todos os jornais italianos a escreverem sobre Elly Schlein, a actual vice-presidente da Emília-Romanha, que Letta procurou ter perto na campanha. Italiana com nacionalidade norte-americana, como o pai, Schlein e o seu pequeno partido (Coraggiosa), foram fundamentais para travar a perda da região para a extrema-direita da Liga, de Matteo Salvini, em 2020.

Aos 37 anos, a política, que se candidatou como independente na lista do PD, não descarta essa possibilidade, mesmo sem estar ainda inscrita no partido. Frequentemente referida (nem sempre num tom positivo) como a Alexandria Ocasio-Cortez italiana, tanto o jornal britânico The Guardian como a revista Time lhe chamaram já “a nova estrela da esquerda”.

Seja este ou não o nome do futuro do PD, primeiro o partido tem de garantir que tem futuro.

“O PD precisa de atravessar um período de profunda restruturação. Deve fazer aquilo que nunca fez desde que foi criado, em 2007, um congresso para definir a linha do partido, definir qual é o seu eleitorado de referência, quais é que são os aliados do partido e definir a liderança do partido”, defende Marco Valbruzzi, professor de Ciência Política da Universidade de Nápoles Federico II. “Se fizer tudo isto, o PD pode conseguir relançar-se, se não o fizer arrisca a tornar-se um partido menor no centro-esquerda italiano.”

Depois de umas eleições em que viu muitos dos seus eleitores tradicionais ficarem em casa, a formação herdeira de outras experiências agregadoras do centro-esquerda (Oliveira, União) tem dois desafios principais. “O primeiro é recuperar eleitores; o segundo é encontrar o seu espaço entre, por um lado, a proposta social-democrata, representada hoje pelo Movimento 5 Estrelas [15,5%] e, por outro, uma proposta neoliberal, representada pelo [novo] partido de Carlo Calenda e de Matteo Renzi [Terceiro Pólo]”, que se aproximou dos 8%, sustenta o analista. A alternativa é permanecer no “limbo”, como até agora.

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