Dúvida: os sacos de pano são mesmo mais amigos do ambiente?
Para compensar o impacto da sua produção, um saco de pano tem de ser usado mais do que 100 vezes. A opção mais sustentável é dar uso aos sacos que já temos por casa – mesmo que sejam de plástico.
Apesar de os sacos de pano serem muitas vezes vistos como uma alternativa mais sustentável ao plástico, a verdade é que o impacto da sua produção é elevado. O ideal é usar o que já se tem por casa e evitar comprar sacos novos, recusando os sacos de pano (também conhecidos por tote bags) que são oferecidos. “A escolha mais sustentável é aquela que já se tem”, resume Salomé Areias, coordenadora da associação de moda sustentável Fashion Revolution Portugal.
Um saco de algodão biológico tem de ser usado 149 vezes para compensar o impacto da sua produção, segundo um estudo de 2021 da Deco Proteste. Se for algodão “normal”, tem de ser usado 101 vezes (o algodão biológico precisa de mais espaço para ser cultivado, cerca de 30% de solo adicional). Se se der bom uso ao saco, há vantagens: podem ser lavados, são resistentes e podem reutilizar-se durante anos.
Ainda assim, o estudo realizado em Portugal indica que o saco de algodão biológico é a “alternativa com mais impactos ambientais” nas categorias testadas, ficando apenas atrás do carrinho de compras com rodas (trolley). Os sacos de ráfia são uma boa alternativa, já que exigem três ou quatro usos para compensar a sua produção – e normalmente duram bem mais do que isso.
Quanto mais impacto tem um saco no ambiente, mais vezes deve ser utilizado para neutralizar a sua pegada ambiental, segundo o estudo da organização de defesa do consumidor. O documento referia ainda que, se se esquecer do saco reutilizável quando for às compras, a opção mais sustentável é comprar um saco de plástico com alguma percentagem de material reciclado – que depois deve ser reutilizado pelo menos duas vezes.
“Mesmo se houver um saco de plástico que as pessoas tenham, é mil vezes mais sustentável do que comprar um saco novo”, descomplica Salomé Areias, que também é estudante de doutoramento de Sustentabilidade no Cense (Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa). “É melhor que compre sacos de plástico do que sacos de algodão, partindo do princípio de que se irá esquecer dos últimos em casa”, lê-se na página da Deco.
Um saco novo de algodão ou algodão biológico “tem várias implicações”, ressalva Salomé Areias. “A primeira e das mais importantes está relacionada com a produção do algodão em si”, diz. O algodão passa por um longo processo desde o cultivo, que pode incluir branqueamento e vários processos químicos para que o tecido possa agarrar determinadas tintas, explica a investigadora.
A associação ambientalista WWF refere que cerca de metade dos têxteis que existem a nível mundial é feita de algodão, mas “os actuais métodos de produção de algodão são insustentáveis do ponto de vista ambiental”. A produção de algodão envolve grande quantidade de água e pode também contribuir para a contaminação da água, para a poluição e para a erosão dos solos e degradação. “É um volume de produção que não é sustentável”, resume Salomé Areias.
E quando se fala de sustentabilidade não se fala só do ambiente – também conta a parte económica e social. “Quando se fala em algodão orgânico, as pessoas acham que é sustentável, mas a nível de mão-de-obra maioritariamente não é”, argumenta Salomé Areias. Há situações de exploração e de más condições laborais no Bangladesh, Índia e China. “É um lado que as pessoas não vêem, não é passado para o consumidor.”
Existem outros estudos que indicam que um saco de algodão tem de ser usado centenas ou milhares de vezes até compensar o impacto da sua produção. O Ministério do Ambiente e da Alimentação da Dinamarca publicou um estudo em 2018 (não revisto por pares) que indica que um saco destes teria de ser usado 20 mil vezes para compensar a sua produção. Se assim for, tal significa que o mesmo saco teria de ser usado todos os dias durante 54 anos.
“Ninguém precisa de mais sacos”
A realidade é que estes sacos de pano começaram a ser produzidos em grande escala e oferecidos como uma alternativa sustentável a outros sacos, como uma forma de as marcas mostrarem que se preocupam com o ambiente e que minimizam o uso de plástico. Muitas vezes, têm também estampados os logótipos de quem os oferece. “Fazem parte do mundo da indústria dos brindes, que corresponde a uma indústria de oferta que serve para incitar ao consumo de forma directa ou indirecta”, alerta a investigadora.
As empresas e organizações deveriam repensar o uso que fazem destes sacos – sobretudo quando são distribuídos às centenas e aos milhares – porque a prática não é sustentável. “É importante fazer esta reflexão: num evento ou num festival em que se recebe sacos com brindes, é importante percebermos que isso vem sempre com uma mensagem que incentive à compra.” Nestes casos, o consumidor pode recusar o saco.
“Há uma espécie de romantização do que é que é ser sustentável”, acredita Salomé Areias, que perpassa também na ideia de que usar um saco de pano é automaticamente sustentável. “Mas acho que ninguém precisa de mais sacos, toda a gente tem um em casa.”
Como se lê num artigo da revista The Atlantic, a abundância destes sacos “leva o consumidor a vê-los como descartáveis, contrariando o seu verdadeiro propósito”.
Descartar estes sacos de pano também não é tarefa fácil. Os locais de compostagem muitas vezes não aceitam têxteis e a reciclagem de têxteis tem de cortar os estampados. Se forem tingidos, podem ser ainda mais problemáticos. “Passam por outro processo que gasta mais água e acrescenta mais uma dificuldade na decomposição”, explica a investigadora. “O facto de ser tingido implica que antes se tenha branqueado para apanhar a cor certa.”
Quando se compra fruta e legumes, os sacos reutilizáveis têm de ser usados muitas vezes para compensar o seu uso. “O algodão volta a enganar: os sacos de rede comprados em grupo nas grandes superfícies exigem que os voltemos a usar para embalar os nossos frescos 952 vezes para compensar o impacto”, lê-se na página da Deco. E convém lembrar que há frutos e legumes, como as bananas e as abóboras, que não precisam de saco, seja ele de plástico ou de rede.