Em prova: Não beberás brancos com menos de cinco anos de vida
Aos poucos, os enófilos livram-se dos preconceitos. Quando se fala em Vinhos Verdes com potencial de guarda, só se pensa em alvarinho (por vezes em loureiro, vá), mas a realidade é que um branco desta região, bem feito e com um rol castas diferenciadas, pode viver bem em garrafa. Aqui ficam algumas sugestões entre as colheitas de 2010 e 2019.
Sérgio Rebelo é professor de Finanças Internacionais na Kellogg School of Management (Chicago) e tem um currículo que exige fôlego para o ler na totalidade. Ele e a mulher – a Zé – passam muito tempo em testes na cozinha. Quando estão na Lourinhã, no Verão, a casa deles abre-se aos amigos que levam as coisas da comida a sério. E quando dizemos a sério é mesmo a sério, porque nada se prova na fabulosa sala daquela casa sem um devido enquadramento histórico.
Faz agora um ano que, num dos jantares entre amigos, coube a Manuel Malfeito Ferreira, professor no Instituto Superior de Agronomia, seleccionar e dissertar sobre os vinhos brancos que combinariam com as criações da Zé e do Sérgio. Como à mesa estavam convidados que também levam a sério estas coisas, decidiu-se que os vinhos seriam todos provados às cegas – o que é um belíssimo princípio.
Não temos espaço para relatar em detalhe o que se passou no serão, mas, para resumir, havia em quem dissesse que certos vinhos eram da Borgonha, de Sancerre ou até da Alsácia, com um pé no outro lado da fronteira alemã. É verdade que uma ou outra pessoa dizia que este vinho podia ser da Bairrada e aquele do Dão ou da Beira Interior, mas, grosso modo, só se pensava em coisas estrangeiras. No final do jantar, quando Manuel Malfeito Ferreira trouxe as garrafas para a mesa, toda a gente ficou de queixo caído porque, primeiro, todos os vinhos eram portugueses e, segundo, tinham idades que variavam entre os 10 e os 20 anos. Sim, eram vinhos brancos portugueses misteriosos, de diferentes regiões, cheios de vida e desafiantes na ligação com a comida.
Um todo-o-terreno à mesa
Para aqueles que provam vinhos de forma profissional, nada disso é novo, mas desde então ficou-nos no espírito a ideia de explorar o título deste artigo. Não queremos ofender as convicções religiosas dos católicos (nem podíamos, porque o vinho é um elemento importante na eucaristia), mas quase apetece dizer que a obrigatoriedade de beber brancos só a partir do quinto ano do nascimento do vinho devia ser o 11.º mandamento da lei de Deus. Não estamos apenas a pensar nos brancos do Dão ou da Bairrada, de Colares, de Bucelas e dos Açores. Estamos, sim, a pensar nos Vinhos Verdes. E não estamos a pensar só nos alvarinhos. É fundamental que os enófilos percebem que vinhos feitos com as castas loureiro, avesso, pedernã/arinto, azal, trajadura e outras são quase sempre mais interessantes com tempo de estágio garrafa. Ficam complexos nos aromas e sabores (notas minerais, químicas e de ervas secas), afastam-se daqueles perfumes primários e, mais importante, são um todo-o-terreno à mesa.
Quando novos, os Vinhos Verdes são perfumados e cheios de fruta primária. São adequados a uma infinidade de pratos do universo marinho e funcionam muito bem quando recebemos amigos em casa e estamos de volta dos tachos a preparar o almoço ou o jantar. Com o tempo, esses mesmos vinhos ganham notas terciárias, coisa que os capacita com elegância para pratos bem complexos, da nossa gastronomia ou de gastronomias exóticas. Com aquelas notas que misturam quase sempre fruta cítrica e fruta tropical (muita) com aromas de ervas secas, líchia, funcho, borras do estágio em madeira e mineralidade, dão imenso prazer.
Ou seja, estes Vinhos Verdes com três, cinco ou dez anos são a companhia ideal para arrozes ou massadas de marisco, presuntos, caris, tajines e – vejam só – estufados que tenham tomate com fartura, visto que a acidez dos vinhos se equilibra com a força do tomate.
Por outro lado, na prova que agora publicamos não deixou de surpreender o facto de quase nenhum dos vinhos enviados para prova estar, digamos assim, em fase decadente. Alguns até estão para durar. E nem uma só garrafa apresentou problemas de rolha. É obra.
E, mesmo para acabar, por favor, tire o leitor do juízo essa ideia de que os vinhos de cooperativas são para passar ao lado. Isso é um preconceito que já não se aceita nestes dias. Os vinhos da Adega Cooperativa de Ponte da Barca, por exemplo, estão fantásticos.
Se mandássemos qualquer coisinha nalguma das instituições dos Vinhos Verdes, colávamos cartazes na rua a dizer: “Guardem se faz favor Vinhos Verdes em casa que isso faz bem à vossa educação” (ou uma coisa mais bem trabalhada por um publicitário). A verdade é esta: já é tempo de valorizarmos Vinhos Verdes com estágio de garrafa e já é tempo de darmos mais atenção à casta avesso.
PS – Se os produtores levarem a sério esta tendência dos vinhos com mais tempo de estágio (falamos de um nicho de mercado, mas é um nicho a crescer), terão de fazer um pequeno esforço: colocar a data de colheita no rótulo e não, algures, no contra-rótulo. É desagradável obrigar um consumidor fazer uma ginástica dos diabos para descobrir a data de colheita numa qualquer esquina recôndita e em letra miúda. Não há necessidade.