Morreu Pharoah Sanders (1940-2022), um dos gigantes do saxofone e do jazz
Parceiro de John Coltrane, Don Cherry e ex-membro da Sun Ra Arkestra, o músico morreu pacificamente na madrugada de sábado, na sua casa em Los Angeles. Tinha 81 anos.
Pharoah Sanders, um dos saxofonistas mais marcantes da história do jazz, morreu na madrugada deste sábado, aos 81 anos. A notícia foi dada no Twitter pela Luaka Bop, às 1h33, numa curta mensagem onde dizia que Sanders tinha morrido pacificamente na sua casa de Los Angeles, rodeado por familiares e amigos próximos. “Será sempre e para sempre o mais bonito ser humano”, terminava a mensagem. “Que descanse em paz.”
Nascido Farrel Sanders, em Little Rock, no Arkansas, a 13 de Outubro de 1940, deu os primeiros passos na música a acompanhar hinos de igreja no clarinete, um dos vários instrumentos onde se foi iniciando, a par da bateria, da tuba e da flauta. A descoberta do saxofone tenor, que começou a tocar na orquestra do liceu, levou-o depois a rumar até à Califórnia, onde, segundo o Dictionaire du Jazz (1988) começou a tocar rhythm and blues e rock’n’roll. Não só por isso: também por sentir o peso da segregação racial em Little Rock, segundo a entrada que lhe dedica a Encyclopedia of Arkansas.
É já no início dos anos 60 do século XX, em 1961, que se muda para Nova Iorque, onde por mais de uma vez teve de vender o saxofone para garantir a sobrevivência. Depois, tudo muda. Junta-se à Sun Ra Arkestra, onde ganha o apelido de “faraó”, que se lhe colaria ao nome, passando a ser conhecido por Pharoah Sanders. Tocou também com Don Cherry, com o qual gravou. Depois começou a trabalhar com John Coltrane, numa colaboração iniciada em 1964 e que só seria interrompida com a morte deste, em 1967.
A par da forte parceria com Coltrane, Sanders gravou o seu primeiro álbum, Pharoah’s First (1964) e em 1966 iniciou uma série de álbuns para a Impulse!, entre os quais Tauhid (1967) e Karma (1969), com um tema que bem o identifica: The Creator has a master plan.
No texto acerca da morte de Pharoah Sanders, o site jazz.pt põe Karma à frente de cinco discos que retratam o trabalho do saxofonista, seguindo-se Thembi (1971), Live at the East (1972), Izipho Zam (1973) e Journey to the One (1980). Uma pequena parte da discografia em nome próprio, parcerias ou colectivos. O texto, que refere as passagens de Sanders por Portugal (Jazz em Agosto da Gulbenkian, Guimarães Jazz, FMM Sines), classifica deste modo o seu trabalho: “A música de Pharoah Sanders, que nasceu no meio do tumulto do free jazz, começou por se destacar pelo som enérgico e abrasivo do seu tenor, e foi ganhando uma dimensão espiritual, tendo gerado aquilo a que designou de ‘spiritual jazz’ – e que tem herdeiros no jazz contemporâneo, em nomes como Shabaka Hutchings e Kamasi Washington.”
A passagem de Sanders pelo Jazz em Agosto de 2013 levou à gravação de um disco ao vivo, Spiral Mercury, acerca do qual Rodrigo Amado escreveu no PÚBLICO que o saxofonista surgia “como um espectro, com o seu som característico marcado por uma profunda fragilidade”, sendo “mesmo difícil distingui-lo no centro da complexa malha sonora”. Mas brilhava ali ainda algo da antiga chama: “Os seus movimentos musicais são, no entanto, bem claros, ainda que ténues e algo hesitantes.”
Mais recentemente, o disco que Pharoah Sanders gravou com Floating Points (o inglês Sam Shepherd) e a London Symphony Orchestra (2021), Promises, foi classificado por Vítor Belanciano no Ípsilon do PÚBLICO como “uma obra assombrosa” e viria a ser escolhido como um dos discos de ano de 2021 em várias listas, entre as quais a do próprio jornal. “Um acontecimento celestial. Uma conversa, no espaço, entre gerações e electrónicas, saxofone e clássica”, escreveu Belanciano, acrescentando: “Quando o saxofone de Sanders surge, é mágico, rico e caloroso, mas também sucede o mesmo quando as orquestrações ganham mais corpo, ou as modulações ambientais fazem o ouvinte imergir na escuta.” Sons que se juntam às memórias de tudo o que Pharoah Sanders foi moldando, do free às experiências mais diversas, muitas delas eternas.