Vêm aí as novas greves dos estudantes pelo clima: “O absurdo é a normalidade”

Sexta-feira será a grande rentrée do activismo climático. Um “preâmbulo para uma escalada da acção”, avisam. Em várias cidades europeias, os estudantes vão para a rua exercer pressão pela transição energética. Mas mais acções irão decorrer nos próximos meses por iniciativa de diferentes grupos. Resta saber que dimensão e impacto terão.

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#LM Miguel Manso - Greve Climatica Estudanti - 15 de marco de 2019 Miguel Manso

Depois de um Verão assombrado por fenómenos extremos, como ondas de calor e uma seca que varreu a Europa, com incêndios e cheias, o Outono arranca com uma greve estudantil pelo clima esta sexta-feira, dia de equinócio, que deseja marcar a agenda climática mundial. Do Liceu Camões, no Saldanha, ao Ministério da Economia, no Chiado, a marcha estudantil em Lisboa, assim como em muitas outras cidades europeias, segue o caminho iniciado pela activista sueca Greta Thunberg, em 2018. Mas o tom é outro.

“Esta greve é um preâmbulo para uma escalada da acção”, explica ao PÚBLICO Teresa Núncio, estudante de Medicina de 21 anos e uma das organizadoras da greve de Lisboa. “Queremos todos os estudantes envolvidos na luta climática, porque não é uma coisa de alguns. O futuro é feito de todos.”

Em Agosto de 2018, Greta Thunberg, então com 15 anos, desesperada com a parca resposta à emergência climática, iniciou uma greve à escola de três semanas em frente ao edifício de Riksdag, o Parlamento sueco em Estocolmo. O seu gesto individual reverberou por todo o mundo e, poucos meses depois, estreavam-se as greves estudantis Fridays for Future (Sextas-feiras pelo Futuro), que levaram às ruas enchentes de estudantes em várias cidades, dando uma força popular inédita ao activismo climático.

Mas a luta sofreu um revés importante em 2020, devido à pandemia, que restringiu os ajuntamentos de pessoas. “Quase todos os grupos que tinham alguma acção com âmbito social perderam muita dinâmica com a pandemia. Toda a gente se ressentiu”, conta Teresa Núncio.

No fim de Julho, um manifesto publicado no jornal britânico The Guardian, assinado por jovens activistas envolvidos na acção Fim ao Fóssil: Ocupa!, admitia que o ímpeto criado pelas greves estudantis não se traduziu em políticas concretas para que o aumento da temperatura da Terra (devido às emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases com efeito de estufa) fique abaixo dos 1,5 graus Celsius em relação aos valores pré-industriais. De acordo com a ciência, a partir daquele valor as consequências das alterações climáticas serão muito mais dramáticas.

No entanto, de 2020 para cá, as emissões de CO2 voltaram aos valores pré-pandémicos, catástrofes naturais, como as mais recentes cheias no Paquistão, continuaram a suceder--se e a invasão russa da Ucrânia produziu uma guerra e uma crise energética que, nos próximos meses, ameaça tornar-se uma crise social europeia de grandes proporções. Ao mesmo tempo, as grandes empresas petrolíferas arrecadaram tamanhos lucros que, no início de Agosto, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, acusou-as de uma “ganância grotesca”.

Neste contexto e tendo em conta as limitações das greves enquanto forças de mudança, o manifesto publicado no The Guardian anunciou uma nova táctica: a ocupação de escolas e universidades feita por estudantes durante os meses de Outono. Estas acções deverão ocorrer em países como Portugal, Espanha, França, Reino Unido e Alemanha. Por isso, a greve desta sexta-feira é apenas o vislumbre de maiores movimentações, de acordo com activistas da Europa que o PÚBLICO ouviu.

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Falta de consciência

“Para que é que estamos a ir às aulas, se não temos um futuro?”, pergunta Teresa Núncio, questionando o statu quo que se vive, em que se estuda e trabalha como se o futuro estivesse assegurado, apesar da progressão actual das emissões de CO2 (se nada for feito, a temperatura média da Terra facilmente aumentará três graus, com consequências devastadoras). “O absurdo é a normalidade”, constata. Porquê? “Porque é um sintoma de que as pessoas não estão conscientes em relação ao estado da crise climática”, diz a estudante, que também está a ajudar a preparar a ocupação no estabelecimento de ensino que frequenta, a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

Em Portugal, as ocupações estão marcadas para 7 de Novembro, um dia depois do início da COP 27, a Cimeira do Clima de 2022, que se realizará no Egipto entre 6 e 18 de Novembro. Apesar de o objectivo geral das ocupações ser o fim do uso dos combustíveis fósseis, cada país tem as suas exigências específicas.

Em Portugal, as exigências passam pelo Governo se comprometer a atingir as zero emissões de carbono em 2030 e a demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva. O governante fez um trajecto profissional ligado à indústria fóssil e foi presidente executivo da Partex, a petrolífera detida pela Fundação Gulbenkian até 2019. É, por isso, uma figura muito criticada pelos activistas do clima.

Mas, em França, as reivindicações são outras. Uma delas é taxar os combustíveis usados pelos aviões comerciais, explica Noemi Nus, de 24 anos, estudante de mestrado em Ciências da Educação na Universidade de Grenoble Alpes, em Grenoble, uma cidade a sudeste de Lyon.

Para Noemi Nus, os fenómenos extremos que o país viveu durante o Verão, como a onda de calor, a seca e os incêndios, alteraram a percepção dos franceses em relação à crise ambiental. “Acho que há mais gente que tem medo das mudanças climáticas e que a consciência das pessoas mudou sobre isso”, diz a estudante. “Não é algo que está muito longe, é algo que está a acontecer agora na França.”

A jovem não faz parte de nenhum colectivo específico, mas está em contacto com várias pessoas. “Comecei a organizar as ocupações agora. São conversas a nível local e nacional”, conta. “A ideia é ocupar espaços da universidade para também fazer outras coisas: falar da justiça climática, da justiça social e organizar conferências.”

Outra exigência que está em cima da mesa é a de o Governo deixar de financiar as empresas fósseis e usar esse dinheiro para subsidiar a melhoria da eficiência energética das casas. Estas ideias não são novas na sociedade francesa. A taxa dos combustíveis dos aviões foi uma das dezenas de propostas lançadas pela Convenção Cidadã pelo Clima, uma assembleia constituída em 2019, a pedido do Governo francês, que definiu medidas estruturais para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa.

“Penso que as exigências locais fazem sentido”, defende Oscar Berglund, da Escola de Estudos Políticos da Universidade de Bristol, no Reino Unido. “As exigências podem ter a nível político várias funções”, diz ao PÚBLICO. O investigador tem vindo a estudar os movimentos sociais relacionados com o clima. Para Berglund, a expansão das greves climáticas para as ocupações não é uma surpresa.

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“As greves climáticas foram em grande parte apolíticas”, analisa. “Tornou-se possível para qualquer pessoa apoiar as Sextas-feiras pelo Futuro, o que também significa que não eram realmente ameaçadoras para ninguém. Mas os activistas querem ameaçar as forças políticas e económicas que travam as acções contra as alterações climáticas. A acção directa com exigências específicas e claras é uma forma de fazer isso”, argumenta Oscar Berglund.

Nesse sentido, o perito espera uma temporada com uma grande diversidade de acções. Desde greves e ajuntamentos, que são formas de protesto mais convencionais, até bloqueios de estradas e acções dirigidas a instituições específicas, como as ocupações das universidades. “Resta saber quantas pessoas irão atrair”, admite.

O poder dos números

Apesar de o Reino Unido contar com greves e ter ocupações na calha, um dos mais ambiciosos planos para os próximos meses vem do grupo Extinction Rebellion do Reino Unido. Esta semana, o grupo inicia um tour de autocarros que vai passar por 60 cidades e vilas. Será uma oportunidade para entrar em contacto com a população de várias comunidades do Reino Unido e conversar sobre as alterações climáticas.

Depois, no fim-de-semana de 14 a 16 de Outubro, haverá várias acções em Londres. O objectivo é ir juntando ao longo deste tempo mais e mais pessoas para que, na Primavera do próximo ano, seja possível levar 100.000 pessoas para as ruas da capital numa grande acção de “resistência civil não violenta”, lê-se no site do grupo. Com um número de manifestantes dessa grandeza, o grupo quer exigir que o Governo acabe com os combustíveis fósseis e convoque uma assembleia de cidadãos para, democraticamente, elaborar um plano de transição do país.

“Estamos focados em construir um movimento demasiado grande para o Governo britânico e as empresas de combustíveis fósseis ignorarem”, diz ao PÚBLICO Nuala Lam, porta-voz do Extinction Rebellion do Reino Unido. “O Governo britânico está a proteger os lucros maciços das grandes empresas de petróleo e de gás. O resultado é uma crise climática e do nível de vida que não têm precedentes, que já estão a custar vidas em todo o mundo e a ameaçar o futuro da humanidade.”

As sessões virtuais do grupo têm sido alvo de um “pico de interesse”, à medida que as pessoas têm sentido os efeitos da crise climática, adianta Nuala Lam. Esses sinais aumentam a expectativa de um crescimento dos manifestantes na rua. “O que é importante é que a assembleia de cidadãos tenha o apoio do público. Se assim for, é muito difícil o Governo ignorar esta recomendação”, assegura a activista.

Oscar Berglund não está tão certo. “Nenhum governo ou parlamento dará de bom grado poder a uma assembleia de cidadãos”, argumenta o investigador. As assembleias “não são capazes de contestar as reais relações de poder que impedem a acção sobre as alterações climáticas”, defende.

Fundo climático

Na Alemanha, Luisa Neubauer, porta-voz do Fridays for Future, também está à espera de “ver massas” na rua esta sexta-feira. E isso, em matéria de política climática, é importante para a activista. Enquanto em áreas como a educação e a saúde os governos assumem automaticamente um papel político, com as alterações climáticas é diferente, argumenta. “No clima há este fenómeno em que os governos não agem a não ser que tenhamos massas nas ruas”, diz a estudante de 26 anos, que está a tirar um mestrado em Geografia e Gestão de Recursos na Universidade de Göttingen.

O grupo também estabeleceu uma exigência específica para o Governo alemão: um fundo climático no valor de 100 mil milhões de euros. Esse montante permitiria iniciar uma transição energética, fomentar a justiça social na sociedade alemã e ainda doar parte do valor ao Sul Global, ajudando aquela região na questão do clima. “Em países como a Alemanha nós necessitamos desesperadamente de uma transição a sério”, diz-nos Luisa Neubauer. “Este não é um valor suficiente – mas é um começo.”

A ideia foi inspirada na recente lei aprovada nos Estados Unidos para financiar a transição climática. E o valor é exactamente o mesmo que o Governo alemão definiu para um financiamento especial das suas forças armadas em reacção à guerra na Ucrânia. “Se há todo esse dinheiro para o exército, também haverá para a justiça climática”, argumenta a porta-voz, explicando que a Alemanha, sendo um país tão rico, não teria dificuldade em obter esse dinheiro pedindo um empréstimo para isso. Mas dá outras ideias para se ir buscar aquele montante: taxando os lucros excessivos das empresas de combustíveis fósseis e desviando os 65 mil milhões de euros com que todos os anos o Governo alemão subsidia os combustíveis fósseis para o fundo climático.

“O que estamos a tentar fazer é exercer uma pressão estratégica em direcção à transição justa”, explica. Perguntamos a Luisa Neubauer se os fenómenos extremos como os que ocorreram este Verão poderão levar as pessoas às ruas. A jovem deflecte a pergunta com alguma irritação na voz, explicando que, apesar de estes fenómenos trazerem alguma consciência, eles também tiram a energia às pessoas. “No momento em que as catástrofes acontecem, é demasiado tarde para muita gente”, rebate. “Temos de nos concentrar em prevenir as catástrofes.”