Faço parte de uma família monoparental: eu, a minha irmã de 16 anos e a minha mãe. Sem um pai presente, vivo nesta realidade que passa mais pela sobrevivência do que propriamente por “viver”.
Receber mesada ou semanada nunca fez parte da minha vida de estudante. Durante o ensino secundário tive de abdicar de actividades como visitas de estudo e livros de apoio. Ser pobre e estudante ainda é tabu. Não se fala sobre as oportunidades perdidas pelas pessoas com pouco dinheiro. Escondem-nos da sociedade.
Cada pessoa funciona de forma diferente e a aprendizagem não foge à regra. As variantes socioeconómicas têm uma interferência enorme no aproveitamento escolar. Apesar de a escola pública portuguesa ser uma instituição prestigiada, reconheço as suas imperfeições, que acabam por se reflectir nos alunos com uma carência económica maior.
É graças à bolsa de estudo que estou agora na universidade, a tentar lutar pelos meus sonhos. O Estado Social permite-me estudar na faculdade que eu escolhi. De outra forma, não seria possível. Vivo numa residência de estudantes perto da faculdade devido ao complemento de alojamento atribuído a bolseiros, uma ajuda imprescindível. Sem ela, não seria sequer humanamente possível viver no Porto.
Contudo, não deixo de criticar a incerteza e a desinformação que existe em todo o processo de atribuição de bolsas. Não é dada na escola informação concreta sobre isto, sobre a possibilidade de qualquer pessoa com carência económica poder estudar. E mais revoltante ainda é o facto de estes estudantes não serem incentivados, mas sim encaminhados para cursos considerados “mais fáceis”, com entrada directa para o mundo do trabalho. As suas ambições são deixadas de parte.
Embora a bolsa seja um apoio indispensável para o percurso de jovens com dificuldades financeiras, a sua atribuição é imensamente demorada. Chega demasiado tarde, factor que nos leva a um estado de stress que, em alguns casos, acaba mesmo por conduzir à desistência da faculdade. Alguns universitários só recebem o resultado meses após o início do ano lectivo.
Quando o assunto se debruça sobre alunos deslocados, o problema atinge proporções maiores. O que fará uma pessoa que não tem possibilidades de arrendar um imóvel e não sabe se tem direito a residência, quando se vê confrontada com a questão de arranjar um lugar onde possa dormir em apenas uma semana?
O meu caso foi um destes. O problema de entrar ou não na universidade não era um factor, a minha média de acesso era confortável. Mas, durante as férias de Verão anteriores, a ansiedade causada pela incerteza da bolsa de estudos e da admissão na residência foi arrebatadora. Pensei em candidatar-me na segunda fase para uma universidade mais perto de casa, quando confrontada com uma resposta de residência inicialmente negativa.
Embora hoje possa dizer que vivo, pela primeira vez, “confortável”, já que não preciso de pedir dinheiro à minha mãe e consigo ter pequenos luxos como almoçar fora e comprar livros, a vida não continua a ser propriamente fácil. Fazer sacrifícios e abdicar de algumas coisas em prol de outras continua a ser necessário. Ser pobre e estudante ainda é tabu, mas urge deixar de ser.