Guterres alerta para “disfunção global” e exige tributação de “lucros inesperados”

Na abertura da 77.ª Assembleia Geral da ONU, António Guterres disse que a divergência entre países desenvolvidos e em desenvolvimento “está a tornar-se mais perigosa a cada dia”, e apelou a uma “reforma estrutural no sistema financeiro global e em instituições internacionais”.

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António Guterres fez o discurso de abertura da 77.ª Assembleia Geral da ONU Reuters/BRENDAN MCDERMID

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse esta terça-feira, na abertura da 77.ª Assembleia Geral da ONU, que a guerra na Ucrânia é “uma ameaça ao futuro da humanidade”, e avisou que o planeta “está preso numa colossal disfunção global”.

“A luta custou milhares de vidas. Milhões foram deslocados. Milhares de milhões em todo o mundo foram afectados”, disse Guterres sobre a invasão russa. “Estamos a ver a ameaça de divisões perigosas entre o Ocidente e o Sul. Os riscos para a paz e a segurança globais são imensos. Devemos continuar a trabalhar pela paz, de acordo com a Carta das Nações Unidas e com o direito internacional”, apelou.

“Mesmo os vários agrupamentos constituídos fora do sistema multilateral por alguns membros da comunidade internacional caíram na armadilha das divisões geopolíticas, como o G20”, disse Guterres, referindo-se às maiores economias do mundo.

“Num certo estágio, as relações internacionais pareciam estar a mover-se em direcção a um mundo G2; agora, corremos o risco de acabar com um G-nada. Nenhuma cooperação. Sem diálogo. Não há solução colectiva de problemas. Mas a realidade é que vivemos num mundo onde a lógica da cooperação e do diálogo é o único caminho a seguir”, disse o secretário-geral.

Para Guterres, é preciso “uma profunda reforma estrutural no sistema financeiro global e em instituições internacionais”, para que os países africanos, em particular, deixem de estar sub-representados nesses sistemas.

“A divergência entre países desenvolvidos e em desenvolvimento — entre Norte e Sul — entre os privilegiados e os demais — está a tornar-se mais perigosa a cada dia. Está na raiz das tensões geopolíticas e da falta de confiança que envenenam todas as áreas da cooperação global, desde as vacinas a sanções e comércio”, sustentou.

Uma das principais vítimas das divisões, segundo Guterres, é o combate à crise climática.

“Peço a todas as economias desenvolvidas que tributem os lucros inesperados das empresas de combustíveis fósseis. Esses fundos devem ser redireccionados de duas maneiras: para países que sofrem perdas e danos causados pela crise climática; e para as pessoas que enfrentam o aumento dos preços dos alimentos e da energia”, disse Guterres.

O ex-primeiro-ministro português chamou a atenção dos chefes de Estado e de Governo ali presentes para conflitos e crises humanitárias que se estão a multiplicar ao redor do globo, “muitas vezes longe dos holofotes”, referindo a crise económica e de direitos humanos no Afeganistão; as tensões regionais na República Democrática do Congo; os combates na Etiópia; a actuação de gangues no Haiti; a seca sem precedentes no Corno de África; ou as divisões na Líbia.

“A lista continua”, disse Guterres. “Enquanto isso, a agitação nuclear e as ameaças à segurança das centrais nucleares estão a aumentar a instabilidade global.”

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