Tenho cancro terminal. Uma planta está a ajudar-me a enfrentar a morte

Regar o bambu, por mais simples que fosse, conectou-me com uma parte nuclear da minha antiga identidade e mostrou-me que ainda podia ser um cuidador.

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David Meyers colocou a planta na janela da sala David Meyers

Eu e a minha esposa não costumamos ter plantas em casa. Tudo o que está dentro de vasos acaba por ser regado a mais ou a menos. Depois de ter sido diagnosticado com um glioblastoma — um cancro terminal no cérebro, com um prognóstico de pouco mais de um ano de vida — adorei a ideia de ter algo verde e vivo connosco.

Quando o meu amigo Mitch me ofereceu um bambu da sorte enfiado num vaso verde-escuro e com três ramos do tamanho de lápis entrelaçados, decidimos colocá-lo na janela da sala de estar, junto ao sofá onde costumo passar a maior parte do meu dia.

Sorri quando olhei pelo aro da chávena de café que a Hannah me traz todas as manhãs. Disse-lhe que queria ser eu a tomar conta da planta. Quando as folhas não se tornaram imediatamente castanhas ou amarelas, fiquei agradavelmente surpreendido.

Cuidar da planta deu-me um sentido de concretização numa altura em que, por vezes, me sentia inútil. O glioblastoma limitou a minha capacidade de andar e o tratamento deixou-me fatigado, dificultando a realização de tarefas quotidianas.

Enquanto médico, estava habituado a ser quem providenciava tratamento, e não quem o recebia. Desde o meu diagnóstico, em Agosto de 2018, muitas vezes parecia que tinha que depender da ajuda de outras pessoas. Esta enorme mudança fez-me sentir à deriva e inquieto. Regar o bambu, por mais simples que fosse, conectou-me com uma parte nuclear da minha antiga identidade e mostrou-me que ainda podia ser um cuidador. Que as plantas e as pessoas ainda podiam depender de mim.

Durante os meses seguintes, recuperei de uma cirurgia, completei os tratamentos por radiação e a primeira ronda de quimioterapia. Mesmo depois de voltar ao trabalho, continuei a cuidar da planta. Rapidamente duplicou de tamanho e as folhas ficaram brilhantes e abundantes. Tanto a planta como eu estávamos a prosperar.

Depois, misteriosamente, começou a mostrar sinais de stress. Aumentei a rega e depois diminuí. Juntei borras de café à terra. Dei-lhe fertilizante. E, independentemente do que fizesse, as folhas continuavam a cair no chão. Fiquei cada vez mais frustrado e inquieto. “Não consigo sequer cuidar de uma simples planta”, gritei. “Estou a falhar!”

A Hannah relembrou-me que já tínhamos testemunhado a morte de outras plantas. Perguntou-me o que me estava a perturbar tanto desta vez. “Se o meu bambu da sorte morrer”, desabafei, “talvez eu morra também”.

Não conseguia despir-me do sentimento de que aquela planta se tinha tornado num símbolo da minha precária saúde.

Identificar-me com aquela planta verde e em crescimento tinha-me oferecido consolo. Agora que a árvore estava decadente, senti-me cada vez com mais medo. As folhas murchas, temi, podem significar a reincidência do meu tumor cerebral.

Percebi que tinha, erradamente, conectado o meu atento cuidado em relação à planta — algo sobre o qual tinha pelo menos algum controlo — à minha própria sobrevivência — algo sobre o qual não tinha qualquer controlo.

Quando o meu tumor inevitavelmente voltasse, não seria por qualquer falhanço meu — não seria porque não pulverizei óleos essenciais no meu escritório, não seria porque ocasionalmente comi açúcar e certamente não seria porque não consegui manter esta planta viva.

À medida que a minha ansiedade diminuiu, comecei a ver tutoriais que me ajudassem a tomar conta do meu bambu. Seguindo as instruções, transplantei a planta para um vaso maior, desentrelacei as raízes para que tivessem espaço para crescer. Quando voltou à janela solarenga, ambos voltamos a prosperar.

Sempre que olho para a planta, com os seus três ramos entrelaçados, penso no Mitch e nas outras pessoas que cuidaram de mim e me apoiaram. Se o bambu da sorte viver mais do que eu, espero que conforte a Hannah e que a lembre de que a nossa grande comunidade vai continuar a cuidar dela depois de eu desaparecer.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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