Países vulneráveis querem taxa global para compensar “perdas e danos” das alterações climáticas
Há um movimento para pôr este tema na agenda da Cimeira do Clima deste ano (a COP27, no Egipto) que inclui levá-lo à Assembleia-Geral das Nações Unidas que começa esta terça-feira em Nova Iorque.
Os países mais vulneráveis do mundo às alterações climáticas querem que seja criado um mecanismo financeiro para compensar “perdas e danos” relacionados com as alterações climáticas, que os afectam mais, embora historicamente sejam os que têm níveis mais baixos de emissões de gases com efeito de estufa. Vão levar o assunto à Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, propondo a criação de uma nova taxa global sobre os combustíveis fósseis ou sobre a aviação.
Ao contrário da adaptação ou mitigação das alterações climáticas, a figura de “perdas e danos” associada às alterações climáticas introduz uma noção de responsabilidade histórica: aponta para o facto de as nações hoje mais ricas, como os Estados Unidos ou a União Europeia, terem emitido mais dióxido de carbono do que as que que são mais pobres. Por isso é um tema muito polémico: as nações mais ricas não acolhem esta ideia de braços abertos.
Este foi um dos temas mais contenciosos na Cimeira das Nações Unidas sobre o Clima em Glasgow (COP26), no ano passado, mantido em aberto quase até ao último dia pelo grupo dos Estados-ilha (Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento), ameaçados pela subida do nível dos mares, e pelo grupo chamado G77, que representam mais de cinco mil milhões dos habitantes da Terra e inclui os países mais pobres, mas também a China. Mas os países mais ricos bloquearam uma decisão, foi apenas decidido iniciar um diálogo sobre o assunto.
Definiu-se que a Rede de Santiago, criada na COP25, em Madrid, deveria operacionalizar as perdas e danos. Para tal, seria “dotada de fundos para apoiar a assistência técnica à implementação de abordagens relevantes para impedir, minimizar e responder às perdas” e foi estabelecido um grupo, denominado Diálogo de Glasgow entre as Partes, que envolva “as partes, organizações relevantes e stakeholders para discutir os procedimentos necessários para financiar actividades que impeçam, minimizem e respondam às perdas e danos associadas com os impactos das alterações climáticas”.
Isto foi frustrante para os países mais pobres. “Se tivesse a casa a arder ou destruída pela subida do nível dos mares, a proposta do mundo rico só paga o perito que vai avaliar os danos, mas não vai dar-lhes dinheiro para o ajudar a reconstruir a sua casa,” comentou Mohammed Adow, da Rede de Acção Climática Internacional, uma organização não-governamental.
Já se sabia que os países G77 e o grupo dos Estados-ilha estavam a lutar por impor este tema na agenda da Cimeira das Nações Unidas do Clima (COP27) no Egipto, em Novembro. O dia 22 de Setembro foi mesmo designado como dia de acção pelas perdas e ganhos (procure #LossAndDamage nas redes sociais). Mas agora, segundo o jornal The Guardian, existe um documento com a proposta de levar o assunto à discussão também na Assembleia-Geral das Nações Unidas, que se inicia nesta terça-feira.
Os países mais pobres estão a preparar-se para pedir que seja criada uma taxa global “relacionada com o clima e baseada na justiça”, para financiar pagamentos por perdas e danos sofridos no mundo em desenvolvimento devido a fenómenos meteorológicos extremos relacionados com as alterações climáticas – como secas, inundações ou ciclones. Essa taxa, diz o Guardian, citando o documento, poderia ser aplicada à indústria da aviação, aos combustíveis extremamente poluentes utilizados pelos navios, ou à indústria de extracção de combustíveis fósseis. Ou podia ser uma taxa sobre as transacções financeiras.
É pouco provável que estas propostas despertem muita simpatia entre as nações mais ricas, num momento de crise dos combustíveis e em que a inflação está a disparar. Mas há também dúvidas sobre como poderia funcionar este mecanismo, quem deveria contribuir ou até quem deveria receber a compensação.
“Destinar-se-ia às comunidades mais afectadas, ou seria absorvido em grande parte pelas burocracias centralizadas dos Estados? Que tribunais decidiriam o montante compensatório, uma vez que não existem ‘tribunais do clima’ habilitados a tomar estas decisões?”, exemplifica a cientista Melanie Pill, da Universidade Nacional Australiana, num artigo disponibilizado no site The Conversation.
“Talvez o mais importante é estabelecer-se o precedente legal de nações ricas compensarem explicitamente nações em desenvolvimento por perdas devido às alterações climáticas. Pode tornar-se um poço sem fundo”, considera a investigadora do Instituto de Soluções para o Clima, Energia e Desastres.
O “empurrão” do desastre do Paquistão
Apesar das interrogações, o mecanismo de financiamento relacionado com as perdas e danos causadas pelas alterações climáticas tem sido muito discutido. Mas é de esperar que este ano o tema receba um impulso mais vigoroso, pois é o Paquistão que está a secretariar o G77 – e o país sofreu inundações de dimensões catastróficas, que deixaram um terço do país debaixo de água, e foram relacionadas com as alterações climáticas, por exemplo com o derreter acelerado dos glaciares paquistaneses, que encheram os rios. Algumas cidades tiveram 500% a 700% mais chuva do que seria normal em Agosto.
Sherry Rehman, a ministra das Alterações Climáticas do Paquistão, fez declarações que apelam de forma concreta ao pagamento de danos e perdas ao seu país pelos grandes emissores de CO2. “Vamos ser muito claros sobre o que consideramos as nossas necessidades e aquilo que nos é devido, e sobre a forma como vemos evoluírem os objectivos globais. Mas perdas e danos causados num [hemisfério] Sul que já está a sentir as dores de uma acelerada distopia climática terão de ser parte das negociações na COP27”, disse a ministra ao Guardian.
Cerca de 160 pontes e 5000 km de estradas foram destruídas, 1416 hectares de colheitas afectadas, 800 mil cabeças de gado perdidas e 3,3 milhões de pessoas foram atingidas pelas cheias, segundo os números oficiais, citados pela Reuters.
Já este mês, 400 organizações não-governamentais de vários pontos do mundo assinaram uma carta, lançada pela Rede de Acção Climática (CAN, na sigla em inglês) e endereçada aos chefes de delegações da COP27, apelando que o tema do mecanismo financeiro para as perdas e danos relacionados com o clima seja incluído na agenda formal da cimeira, de 7 a 20 de Novembro, em Sharm El-Sheik no Egipto. Os temas são incluídos se houver acordo entre os países.
“A COP 27 será considerada um falhanço se as nações desenvolvidas continuarem a ignorar a exigência dos países em desenvolvimento de estabelecer um mecanismo de financiamento das perdas e danos para ajudar as pessoas [destas nações] a recuperar das cheias, incêndios florestais e subida do nível dos mares, que estão a agravar-se continuamente”, disse Harjeet Singh, responsável pela estratégia polícia global da CAN Internacional, citado pelo jornal nigeriano The Guardian.