Cientistas analisam relação entre a luz dos telemóveis e a puberdade precoce

Os resultados de um estudo experimental indicam que há alterações hormonais provocadas pela luz azul de telemóveis e computadores. No entanto, estes são dados preliminares e que carecem de mais investigação científica.

Foto
Impacto de luz azul nas crianças ainda precisa de mais investigação Maria João Gala

Todos os dias estamos horas e horas expostos à luz azul, emitida pelos nossos telemóveis ou computadores. Ora, essa preocupação não é nova, mas um estudo experimental avança, pela primeira vez, que esta exposição pode conter riscos para o desenvolvimento das crianças e para a sua fertilidade futura. A hipótese levantada por estes resultados precisará de novas investigações no futuro para comprovar os riscos apontados.

Já conhecíamos outras possíveis consequências deste excesso de luz azul nos nossos olhos, como a alteração dos padrões de sono ou problemas de visão. No entanto, os resultados apresentados agora no encontro anual da Sociedade Europeia de Endocrinologia Pediátrica alertam que a exposição excessiva pode aumentar os níveis hormonais de crianças e o risco de uma puberdade precoce.

O ponto de partida está à nossa volta: “O uso destes aparelhos [telemóveis, computadores] por parte das crianças tem aumentado e há publicações que também mostram um aumento dos casos de puberdade precoce durante a pandemia, comparativamente o período pré-pandémico”, introduz Aylin Kilinç Ugurlu, pediatra e investigador na Universidade Gazi, em Ancara (Turquia).

A puberdade precoce acarreta riscos para a saúde pelo desenvolvimento mais cedo que o previsto e também tem impacto pelas mudanças corporais numa etapa infantil da vida da criança (por exemplo, entre os 8 e os 10 anos). Há outros efeitos subsequentes: estas crianças têm maior risco de depressão ou ansiedade, bem como de desenvolver cancro da mama, por exemplo.

Para perceber os efeitos que uma criança pode ter com uma exposição excessiva à luz azul dos ecrãs, a equipa liderada por Aylin Kilinç Ugurlu conduziu um estudo experimental em ratinhos para compreender as alterações hormonais. Naquele que o investigador turco afirma ser o primeiro estudo experimental feito neste campo, uma das principais notas de destaque é alteração hormonal e no tecido dos ovários destes animais mediante a exposição a luz azul – o que indica esta promoção da puberdade precoce.

No entanto, estes resultados não são automaticamente extrapoláveis. Para expor os ratinhos a luz azul e simular a exposição aos ecrãs de telemóveis e computadores, os investigadores utilizaram um tipo de exposição que alterasse os níveis de melatonina – algo que já foi demonstrado estar alterado nalguns estudos com crianças expostas a luz azul.

A melatonina é uma hormona produzida no nosso cérebro que contribui para regular vários processos no nosso corpo, incluindo a puberdade.

Apesar de a associação parecer directa, não é bem assim. “É difícil extrapolar estes dados para crianças porque o tipo e o tempo de exposição à luz azul não é equivalente ao que veríamos numa criança a utilizar um aparelho normal”, explica Ugurlu ao PÚBLICO. “Apesar de estes dados serem em ratos, eles apontam que a luz azul deve ser investigada como um potencial factor de risco neste recente aumento de casos de puberdade precoce”, acrescenta.

Um fenómeno mais comum

O aumento de casos de puberdade precoce é similar em vários países e, como diz Ulurgu, particularmente evidente durante a pandemia da covid-19. Existem outros factores que poderão entrar nesta disputa: as questões genéticas, a obesidade, ou o maior sedentarismo já foram apontados.

Em Itália, os casos de raparigas com puberdade precoce quase duplicaram entre 2019 e 2020, num dos estudos mais citados para exemplificar esta questão. Por outro lado, este não é um problema referido apenas nos últimos dois anos e meio: em 2012, este aumento já era referido ao longo da década anterior. Não deixa, no entanto, de ser um fenómeno pouco comum em todo o mundo.

Ulurgu direcciona a atenção para a intensificação do nosso contacto com os aparelhos electrónicos. “O aumento do uso destes aparelhos, especialmente à noite, amplifica a intensidade e duração da nossa exposição. Alguns dispositivos já têm opções que filtram a luz azul, o que pode ajudar a minimizar os riscos – mas ainda é necessária mais investigação [para o confirmar]”, indica.

“Os efeitos da luz azul em pessoas continuam a ser pouco investigados e muito difíceis de aplicar. Mas com este aumento da incidência de puberdade precoce, e esta associação com os níveis de melatonina, é uma área que exige mais investigação”, pede o investigador turco. “Estes resultados não se traduzirão necessariamente para as crianças, mas o risco é algo que deve ser considerado e investigado”, conclui em resposta ao PÚBLICO.

Sugerir correcção
Ler 6 comentários