Morreu a actriz Irene Papas, uma das grandes trágicas do cinema moderno

A mais internacional das actrizes gregas, presente em Os Canhões de Navarone ou Zorba, o Grego, morreu na sua terra natal aos 96 anos.

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Actriz e cantora Irene Papas Nancy Moran/Sygma/Getty Images
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Irene Papas filmou igualmente por três vezes com Manoel de Oliveira John Schultz/reuters
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Papas trabalhou com outros grandes nomes do cinema PEDRO INACIO /arquivo

Irene Papas, actriz e cantora grega conhecida como uma das grandes trágicas do cinema moderno, morreu aos 96 anos na sua aldeia natal, Chiliomodi, perto de Corinto.

Popularizada pelos seus papéis em Os Canhões de Navarone (1961) e Zorba, o Grego (1964), contracenou ao longo da sua carreira com “monstros sagrados” como Katharine Hepburn, Sophia Loren, Anthony Quinn, Richard Burton ou Yves Montand; mas Hollywood nunca aproveitou ao máximo a sua presença intensa, que parecia transmitir uma força telúrica que atravessara séculos.

A sua carreira ficou necessariamente marcada pelas suas interpretações das grandes tragédias gregas, tendo vencido o Urso de Prata de melhor actriz em Berlim por Antígona de Yorgos Tzavellis (1961). Capaz de navegar sem problemas entre o cinema e o teatro, Irene Papas interpretou igualmente Helena de Tróia, Ifigénia e Electra no cinema, e em palco, um pouco por todo o mundo, Clitemnestra, Fedra ou Medeia, a par de autores como Dostoievski, Ibsen ou Shakespeare

Irene Papas filmou por três vezes com Manoel de Oliveira, que lhe chamou “a essência mais profunda da alma feminina” e “a mãe da civilização ocidental”; foi em Party (1996), Inquietude (1998) e Um Filme Falado (2003), tendo este último marcado praticamente o final da sua carreira no cinema.

Em "Antígona", de 1961
"Zorba, o Grego" (1964)
"Electra", 1962
Em "Inquietude", de Manoel de Oliveira (1998)
"Party", de Manoel de Oliveira, em 1996
"Os Canhões de Navarone", 1961
"Os Canhões de Navarone", 1961
Imagem promocional do estúdio de "Dois Irmãos Sicilianos", de 1968, com Kirk Douglas, Alex Cord e Luther Adler, entre outros
"As Troianas", de 1971, em que contracena com Katharine Hepburn e Vanessa Redgrave
"Zorba, o Grego" (1964)
Em "Z - A Orgia do Poder", de 1969, com Yves Montand
Irene Papas e Penélope Cruz em "O Capitão Corelli" (2001)
Um retrato promocional do estúdio MGM, datado de 1956
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Em "Antígona", de 1961

Pode dizer-se que o teatro fazia parte do ADN de Eirini Lelekou, nome com o qual nasceu em 1927, pois o seu pai era professor de drama; uma de quatro filhas do casal, iniciou os estudos aos 15 anos de idade e começou por representar em palco os grandes clássicos e os autores modernos. O apelido com que se tornou célebre, Papas, era o do seu primeiro marido, com quem foi casada entre 1947 e 1951; casaria ainda fugazmente uma segunda vez e nunca teve filhos.

A sua estreia no cinema teve lugar em 1948 no filme de Nikos Tsoforos Hamenoi Angeloi, mas apesar de ter rodado regularmente no seu país natal, o único cineasta grego com quem se sentia verdadeiramente à vontade era Michael Cacoyannis. Irene Papas rodou seis vezes sob a sua direcção, com especial destaque para Electra (1962), Zorba, o Grego e As Troianas (1971), onde contracenou com Katharine Hepburn, Vanessa Redgrave e Geneviève Bujold.


“Descoberta” por Hollywood através de Elia Kazan, que a apresentou aos responsáveis da MGM, teve o seu primeiro papel no cinema americano em Honra a um Homem Mau (1956) de Robert Wise, ao lado de James Cagney. Mas apesar de ter estado presente nos dois enormes sucessos mundiais que foram Zorba, o Grego e Os Canhões de Navarone de J. Lee Thompson (1961), e de ter trabalhado com Kirk Douglas em Dois Irmãos Sicilianos de Martin Ritt (1968) ou Richard Burton em Ana dos Mil Dias de Charles Jarrott (1969), foi no cinema europeu e, sobretudo, italiano que acabou por encontrar trabalho mais regular, rodando com Francesco Rosi, Riccardo Freda, Mario Monicelli ou Elio Petri.

A sua carreira estendeu-se à música. Em 1969, gravou um álbum de canções de um outro artista grego exilado, o compositor Mikis Theodorakis (que escrevera a música de Zorba, o Grego). E causou escândalo com a sua participação no álbum conceptual 666 do grupo de rock progressivo Aphrodite’s Child, com o que foi descrito como “orgasmos vocais”. Desse álbum nasceu o seu encontro com Vangelis Papathanassiou, um dos integrantes da banda, que levaria mais tarde a dois discos inspirados pelo país natal de ambos: Odes (1979), com canções populares gregas, e Rapsodies (1986), com hinos litúrgicos bizantinos.

Liberal de longa data, manifestou-se publicamente contra a junta militar que tomou o poder na Grécia, chamando-lhe “o Quarto Reich” e auto-exilando-se em 1967, para apenas regressar depois da sua queda em 1974. Durante esse período, filmou em França com o seu conterrâneo Costa-Gavras Z – A Orgia do Poder (1968), ficção inspirada por um verdadeiro assassinato político na Grécia, ao lado de Yves Montand e Jean-Louis Trintignant.

A partir dos anos 1980 alternou participações especiais em superproduções de cinema ou séries televisivas de prestígio com papéis importantes em filmes de autor, trabalhando por exemplo com Ruy Guerra em Eréndira (1983) e Francesco Rosi em Crónica de uma Morte Anunciada (1987), ambos inspirados por Gabriel García Márquez. Irene Papas continuou a trabalhar regularmente até 2003, ano em que rodou Um Filme Falado e interpretou Hécuba numa adaptação de Eurípides que co-realizou com Giuliana Berlinguer, retirando-se em seguida.

A notícia da sua morte foi anunciada pelo Ministério da Cultura grego, que não revelou a causa. No entanto, tinha sido diagnosticada à actriz em 2013 doença de Alzheimer.

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