Ambientalistas pedem fim de subsídios que estão a destruir florestas protegidas na Europa

Indústria financiada pela União Europeia fomenta o desmatamento de florestas protegidas para a queima de biomassa. Parlamento Europeu discute e vota alterações à Directiva das Energias Renováveis.

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Troncos de árvores cortadas numa floresta na Polónia Kacper Pempel/Reuters

Ao contrário da posição da União Europeia (UE), a biomassa florestal não deve ser considerada uma fonte de energia renovável pela União Europeia, de acordo com as associações ambientalistas, os activistas e os cientistas. Apesar de esta posição não ser nova, ganha especial relevo esta semana, quando o Parlamento Europeu discute alterações à Directiva das Energias Renováveis.

Nesta quarta-feira, os eurodeputados vão votar dezenas de propostas de alterações à directiva. Entre as quais, proposições que pedem uma mudança por parte da UE em relação à queima da biomassa florestal para a produção de energia e electricidade.

Apesar de emitir mais dióxido de carbono do que o carvão, a UE considera a biomassa florestal uma fonte de energia renovável. Por isso, a indústria é subsidiada. “Os governos da UE entregam cerca de 16 mil milhões de euros dos contribuintes em subsídios directos à indústria de queima de madeira em cada ano”, relata a Agência de Investigação Ambiental (AIA), num relatório publicado a 8 de Setembro.

Abate em florestas protegidas

O documento denuncia a ocorrência de abate de árvores em florestas protegidas de quatro países: a Roménia, a Bulgária, a Polónia e a Eslováquia. As florestas pertencem a parques nacionais, reservas naturais e sítios da Rede Natura 2000, e são importantes redutos de biodiversidade.

A madeira cortada acaba transformada em pellets e muita dela é exportada para estados-membros como a Alemanha e a Itália, acabando usada na produção de energia, emitindo dióxido de carbono e contribuindo para a poluição do ar. Segundo o relatório, os efeitos da poluição na saúde dos europeus e na economia europeia custam 12 mil milhões de euros por ano.

“Os consumidores europeus estão involuntariamente a contribuir para a destruição das últimas florestas selvagens da Europa e a exacerbar as alterações climáticas”, avisa-se no relatório. “A investigação da AIA providencia uma prova clara que a Directiva das Energias Renováveis tem de retirar imediatamente todo o apoio à biomassa de madeira. O Parlamento Europeu tem de votar pela protecção, e não pela destruição decorrente das nossas últimas florestas naturais.”

Publicada originalmente em 2009, a directiva europeia definia que, até 2020, da energia usada pelos países da UE, 20% teria de vir de fontes renováveis. Em 2018, o documento foi revisto e passou a chamar-se Directiva das Energias Renováveis II (RED II, em inglês), com um novo objectivo: até 2030, os estados-membros teriam que obter 32% da energia consumida a partir de fontes renováveis.

Um dos principais objectivos da nova votação é tornar a directiva mais ambiciosa, em linha com o que é exigido pelo Acordo de Paris, para que, no fim da década, 40% da energia usada seja de origem renovável.

A carta dos cientistas

No entanto, a força do objectivo de 40% dependerá daquilo que é considerado energia renovável. Em Fevereiro de 2021, uma carta assinada por cientistas de todo o mundo, endereçada a vários líderes internacionais, entre os quais Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, pedia para reconsiderar a inclusão da biomassa florestal.

“Exortamos a que não prejudiquem tanto os objectivos climáticos como a biodiversidade do mundo transitando da queima de combustíveis fósseis para a queima de árvores para se gerar energia”, lê-se na carta, assinada por vários portugueses, entre os quais nomes de peso como as biólogas Helena Freitas e Maria Amélia Martins-Loução, e o físico Filipe Duarte Santos.

“Durante décadas, os produtores de papel e de madeira geraram electricidade e calor como produtos secundários [da sua actividade] a partir dos restos [de madeira]. Este tipo de uso não leva a um aumento de colheita de madeira. No entanto, em anos mais recentes, tem existido uma mudança errada para o corte de árvores inteiras ou para o desvio de grandes porções de troncos para a bioenergia, libertando dióxido de carbono que, de outro modo, teria ficado retido na floresta”, lê-se na carta.

Biomassa florestal fora das renováveis

Em Portugal, onde a produção de pellets para consumo nacional e exportação tem vindo a aumentar, a associação ambientalista Zero avisa que vai estar atenta à votação de quarta-feira. “Há uma proposta que pede que a biomassa florestal não deva contar para os objectivos renováveis e ser subsidiada”, explica ao PÚBLICO Nuno Forner, da Zero, acrescentando que a proposição vem do Grupo da Esquerda do Parlamento Europeu. “Esta é uma proposta que reflecte a ciência. Deve ser apoiada.”

Em 2021, mais de 1,5 milhões de toneladas de madeira foram usadas para produzir pellets, a nível nacional. Ao todo, 47% da produção foi exportada para o Reino Unido, a Dinamarca e os Países Baixos, onde foi usada para o sector energético. Nuno Forner critica o desvio da madeira para este fim.

“Defendemos o restabelecimento do princípio de cascata”, explica. Ou seja, a madeira deveria ser usada primeiro para produtos mais nobres, com maior valor económico, como a mobília e na construção. E, depois, com o material que resta, então poder-se-ia produzir artigos menos valiosos, como o cartão e os pellets. “Queimar florestas parece-me uma opção completamente errada. Temos de ser ambiciosos e não prolongar esta questão”, assume.

Um artigo de opinião publicado há uns dias no jornal britânico The Guardian, que exigia também o fim do uso de biomassa florestal, explicava que as florestas desmatadas não são renováveis. Ou seja, demoram décadas a voltar a crescer e a incorporar todo o dióxido de carbono que foi libertado durante a queima prévia da madeira. “Não há tempo suficiente para que a [nova] plantação de árvores cresça para estar em linha com o Acordo de Paris”, defende o artigo, assinado por vários activistas do clima, entre os quais a sueca Greta Thunberg.