Líder do PSD aceita reformular medida das pensões decidida pelo Governo
Luís Montenegro assume disponibilidade para dar aos pensionistas uma ajuda directa no formato que o Governo entender e rejeita “corte de mil milhões no sistema de pensões”. Em entrevista à Hora da Verdade, programa do PÚBLICO/Renascença, o líder do PSD admite abertura para debater uma futura reforma da Segurança Social.
Luís Montenegro, eleito líder do PSD há dois meses, acusa o Governo aplicar um “corte de mil milhões de euros no sistema de pensões” que terá consequências para “todos os anos subsequentes”. É a versão do PS à “pretensa intenção” de o Governo de Passos Coelho emagrecer em 600 milhões de euros a despesa da Segurança Social, aponta.
O PSD veio dizer que a medida do Governo para as pensões é uma ilusão. De que ilusão estamos a falar?
É de facto uma ilusão, pior do que isso, é um logro mesmo, na medida em que o Governo está a dar em 2022 aquilo que está a retirar em 2023. Não faz isto de forma inocente, tem consequências. Ao atribuir esse bónus em 2022, está a fugir à responsabilidade que compete ao Governo de ajudar os pensionistas com o adicional de rendimento face ao que teriam numa situação normal, que era ter a pensão até ao final do ano e em Janeiro terem a pensão actualizada em função da lei. Está a dar rigorosamente zero. É rigorosamente zero de adicional aos pensionistas.
Há uma antecipação?
Há uma antecipação mas o valor é zero. Quando se dá hoje e se tira amanhã, há um efeito neutral. Mas há uma segunda consequência: é que isto significa um corte de mil milhões de euros no sistema de pensões e não vale a pena brincar com as palavras. É mesmo isto: são mil milhões de euros. O PS, durante muitos anos, andou a utilizar no debate público, de forma absolutamente oportunista e irresponsável, uma pretensa intenção que em tempos um Governo teria de ter um resultado no sistema de pensões de 600 milhões de euros. Nunca houve essa intenção e nunca houve esse corte. A intenção [deste governo] foi dissimulada e o corte é efectivo.
Qual é a base com que afirma haver um corte de mil milhões de euros?
A base são os números do governo. O governo faz com que a medida tenha uma abrangência de 2,7 milhões pensionistas e apresenta o custo da medida em mil milhões de euros. Esses mil milhões, que o Governo se propõe pagar agora, vão deixar de estar no sistema de pensões a partir de Janeiro de 2023 com consequências para todos os anos subsequentes.
O decreto-lei já está publicado. E agora?
Em função disso, o PSD apresentou o pedido de apreciação parlamentar do decreto-lei, para que possa ser discutido já no dia 15, dia do nosso agendamento potestativo com o nosso projecto de emergência social.
Obriga o governo a ir a debate...
Com certeza. O primeiro-ministro fez isto de forma intencional. Não quero acreditar que não sabia o que estava a fazer. De forma intencional enganou os pensionistas e os reformados portugueses.
Pode estar em causa também a revisão da fórmula de cálculo da actualização das pensões. O PSD concorda com uma alteração à lei?
Temos de saber o que o PS defende para a segurança social. Durante vários anos, desafiámos o PS a sentar-se com o PSD para fazer uma reforma da Segurança Social que pudesse conferir sustentabilidade ao sistema e garantir às pessoas que não iriam perder poder de compra quando entrassem no período de aposentação. O que é que o PS disse? Não é necessário fazer essa reforma, não estamos disponíveis. Quando sou confrontado com a pergunta: está disponível para tratar de assuntos estruturantes com o PS, eu sempre disse que estou. Independentemente de a minha função ser fazer oposição ao Governo, nunca me coloquei de fora naquilo que é o interesse nacional, de podermos ter políticas que confiram estabilidade, perenidade. E esta é uma delas.
Então não se opõe a uma revisão desta lei a partir de 2024?
Só falarei numa eventual revisita à Segurança Social se o PS disser, preto no branco, sem tibiezas, que está disponível e que é necessário fazer essa reforma.
A APRE considera que a medida do Governo sobre pensões pode ser até inconstitucional. O PSD admite pedir a fiscalização ao Tribunal Constitucional?
A nossa opção é pedir a apreciação parlamentar, que pode ter uma de duas saídas: a cessação de vigência do decreto - que não é aquilo que nós desejamos - ou a alteração do decreto, que é o que queremos que seja discutido no Parlamento.
Quer adiantar qual será a vossa proposta?
O que está no projecto de resolução do PSD é que a actualização das pensões se deve fazer em Janeiro de 2023 nos termos da lei. E propusemos a atribuição de um vale alimentar de 40 euros por mês, de Setembro até Dezembro, a todos os pensionistas que tenham um rendimento até 1108 euros. Mas não me causa nenhuma espécie que nós possamos fazer, no âmbito das pensões, aquilo que, apesar de ser diferente, foi a opção do governo em relação às pessoas que estão na vida activa.
O que está hoje na minha mente trabalhar como proposta na apreciação parlamentar é que seja feito aos 2,7 milhões pensionistas o que é feito às pessoas na vida activa: a atribuição de uma ajuda, no caso, o governo optou por 125 euros, inferior à nossa proposta que era de 160 euros até ao final do ano. Mesmo para a classe média dos 4.º, 5.º e 6.º escalões, os 200 milhões de euros que propúnhamos de redução em sede de IRS significavam cerca de 153 euros para cada um dos portugueses a quem se aplicava a medida. Não vou andar aqui em campeonatos de quem dá mais ou menos.
Aos pensionistas seria uma ajuda de uma só vez ou em prestações até Dezembro?
Não vou entrar nesse debate porque tenho disponibilidade para ajudar o Governo a ter uma solução única, que possa ser diferente da nossa. A nossa opção não era essa, era uma ajuda mensal aos pensionistas e de pessoas com rendimentos limitados e da classe média. Não vou fazer disto um cavalo de batalha, não vou dizer que fazer a grande questão da ajuda do Governo era saber se paga mensalmente ou se se paga de uma só vez.
O âmbito da medida é globalmente o mesmo, é conferir mais meios às famílias para poderem ter mais disponibilidade financeira para as suas despesas essenciais. Não me coloco de fora de adaptar a nossa proposta àquilo que é o racional de todo o decreto. Não queremos alterar o decreto de A a Z. Queremos alterar o que, do ponto de vista social, é iníquo, é injusto.
Não concorda com o argumento do Governo de ser “prudente” face à incerteza da conjuntura internacional?
As medidas que propúnhamos teriam um custo final de 1500 mil milhões de euros, o que está absolutamente assegurado pelo excedente de arrecadação de receita fiscal para além daquela que era já a margem de crescimento prevista no Orçamento. O efeito sobre as contas públicas é rigorosamente nulo porque não agrava o défice face aquilo que está no OE e não agrava a dívida. Nego qualquer acusação de imprudência ou de irresponsabilidade na gestão de contas públicas.
As medidas foram promulgadas pelo Presidente. Fez mal?
O Presidente da República expressou, com a promulgação, o respeito pelas opções que o Governo tinha tomado e de elas entrarem urgentemente em vigor.
Algumas das medidas do PSD vão fazer parte das propostas ao Orçamento do Estado (OE)?
Esperaremos a apresentação do OE, mas é verdade que houve algumas das nossas propostas que não foram acolhidas. Por exemplo, a valorização adicional, em sede de abono de família, para todas as crianças e jovens em 10 euros mensais. Ponderaremos se se justifica uma medida dessa natureza. Propusemos a descida transitória da taxa de IVA sobre gás, electricidade e combustíveis ar 6%, não foi acolhida. O primeiro-ministro falou ao país de uma forma que aparentava que estava a baixar o IVA da electricidade como se todo o IVA fosse doravante fosse de 6%. E não é verdade. Aplica-se a baixos consumo e baixas potências. Ficam de fora praticamente todos os utilizadores de energia eléctrica.
O Presidente elogiou o papel do PSD na construção das medidas do Governo. O elogio é envenenado, é bom ou mau para o PSD?
Houve o reconhecimento de que o PSD, neste domínio, disse ao país que a inflação não ia ser tão passageira como aquilo que o primeiro-ministro estava a anunciar e o PSD foi o primeiro partido a anunciar um programa de emergência social. As considerações do Presidente são o reconhecimento de que o PSD esteve pró-activo e apresentou um programa concreto cujo desenho em bom rigor o PS acabou por acolher.