Andar a pé resolve vários problemas da cidade, mas não estamos a caminhar para lá

Durante dois dias, o congresso Cidades que Caminham quer mudar a forma como os municípios olham para importância das deslocações pedonais

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O automóvel continua a ser o meio de deslocação preferido dos portugueses Adriano Miranda

Tem impacto na saúde, no clima e na organização das cidades. É o modo de deslocação que liga todos os outros, mas não tem tido peso suficiente na hora de desenhar políticas públicas. É para cobrir essa lacuna que o Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade (ICVM) decidiu organizar o congresso Cidades que Caminham, que se vai instalar no auditório da Fundação Manuel António da Mota, no Porto, durante dois dias, com início nesta quinta-feira.

O objectivo é lembrar que o planeamento da mobilidade sustentável nas cidades tem uma repercussão “muita clara” no ambiente urbano e na saúde pública, aponta a presidente do ICVM, Paula Teles. E, nesse planeamento, o papel das deslocações a pé é um elemento essencial.

“Precisamos que os autarcas percebam que este trabalho [de planear a mobilidade] tem de ser feito todos os dias” e “temos que o fazer à escala humana”, destaca a engenheira civil especializada em mobilidade. Defende também a necessidade de pensar na rua de forma a retirar barreiras arquitectónicas, resolver cruzamentos mal sinalizados, pensar no mobiliário urbano a utilizar.

O encontro organizado pelo ICVM reúne governantes e autarcas, mas também responsáveis do Instituto de Mobilidade e Transportes, da Ordem dos Médicos e o alcaide de Pontevedra, Miguel Anxo Lores, que há duas décadas começou a transformar a cidade galega num exemplo de como retirar os carros do seu centro.

Um dos objectivos deste encontro é criar uma rede de cidades que caminham em Portugal, um pouco à semelhança da espanhola Red de Ciudades que Caminan, com quem o ICVM assina um convénio. A ideia é que as autarquias possam ter acesso a “um grupo de técnicos que lidam todos os dias com políticas de mobilidade nos dois países e possam articular esforços”, refere Paula Teles.

A utilização do carro

O maior problema, explica a responsável, é a taxa de motorização (número de carros por pessoa) que continua “muito elevada” em Portugal, ao contrário do que era expectável. Para compreender melhor a gravidade da situação, a urbanista olha para os dados de mobilidade nas áreas metropolitanas (AM) de Lisboa e Porto, que são as regiões do país com melhor serviço de transportes públicos. Ainda não há dados dos Censos 2021, mas aponta para os dados do Inquérito à Mobilidade de 2017, levado a cabo pelo Instituto Nacional de Estatística: na AM de Lisboa, o segundo modo deslocação é a pé (23%), mas o automóvel privado continua a ser a principal escolha para deslocações diárias (58,9%); no Porto, o desequilíbrio é ainda maior, com 18,5% das deslocações a pé e 67,6% de carro.

A balança pende ainda mais para o lado do carro na larga mancha do país que dispõe de redes mais pequenas de transportes públicos, como no interior, refere.

“Os dados de 2017 continuam a ser maus. Acreditamos que os de 2021 serão idênticos”, diz. “Temos que perceber porque é que as cidades não estão a caminhar para a sustentabilidade, apesar de os cidadãos já terem percebido a mensagem recente, nomeadamente com a covid e com as alterações climáticas”, avisa.

Os transportes são uma das principais fontes de emissões de gases poluentes. É um problema climático, mas também é um problema de saúde pública. “Se a cidade for um ginásio ao ar livre há menos hospitalizações e mais pessoas saudáveis”, nota.

Poucos planos em curso

Se deixar o carro em casa ou utilizar transportes públicos ajuda a que as cidades sejam lugares mais humanos, há outros modos que podem ajudar como a bicicleta e as trotinetas, cada vez mais presentes nas ruas. Isso também tem colocado questões de segurança para os peões e essa convivência tem de ser articulada. “Esses modos estão a entrar no nosso território, mas ele não está desenhado para isso. Por isso, há acidentes e sensação de insegurança”, introduz Paula Teles. “Os políticos têm de ajudar” nesse processo de resolução de conflitos, defende, com decisões a montante que consigam cruzar todos os modos de mobilidade.

Os Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) seriam essa base orientadora, mas, em Portugal, há poucas cidades que já fizeram esse trabalho. O encontro desta quinta-feira vai contar com a presença de autarquias que já estão a desenvolver o seu PMUS. Braga, Évora e Penafiel são alguns desses exemplos.

No entanto, aponta, a recente Lei de Bases do Clima de 2021 prevê que, a partir do final de 2022, as autarquias tenham dois anos para desenhar os seus PMUS, o que é um passo importante, destaca.

“Mas devemos apostar num planeamento multifuncional”, lembra, referindo a importância do urbanismo de 15 minutos para o modo pedonal. “Só teremos cidades que caminham se valorizarmos o bairro, com as funções básicas de papelaria, café, farmácia”, exemplifica. “Se isso não existir, não vamos conseguir resolver o problema da mobilidade porque as deslocações serão sempre grandes”, refere.

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