Medidas de meio-metro

As inúmeras razões de queixa dos utentes dos transportes públicos de Lisboa não mudaram, e arrastam-se tanto ou mais que os mais velhinhos autocarros da Carris. Seja pelos horários, frequência ou percurso, o serviço tem-se vindo a deteriorar em paralelo com a confiança das pessoas

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Miguel Manso

Nos últimos dias, pela cidade de Lisboa não faltam os cartazes com letras garrafais a anunciar o “SIM” à gratuitidade dos transportes públicos. Mais do que a cor chamativa dos títulos, é preciso olhar para os resultados da medida. Será esta uma medida social ou mais um contributo para uma Lisboa mais fechada e menos metropolitana?

Ainda se ouve, por vezes, a caricata expressão “Vá de Metro, Satanás!”. O slogan, criado por Alexandre O’Neill em tom de brincadeira, corre ainda errante de boca em boca pela cidade e acaba sempre por arrancar alguns sorrisos, uns mais sinceros, outros mais irónicos. Mas, ultimamente, a opinião geral é mesmo de que nem o próprio Satanás se orientaria com os transportes públicos lisboetas.

As inúmeras razões de queixa dos utentes não mudaram, e arrastam-se tanto ou mais que os mais velhinhos autocarros da Carris. Seja pelos horários, frequência ou percurso, o serviço tem-se vindo a deteriorar em paralelo com a confiança das pessoas. Os atrasos recorrentes apertam as já estreitas dificuldades de conjugar linhas, nem que sejam apenas duas carreiras. Já por baixo dos nossos pés, no Metro de Lisboa, os tempos de espera têm vindo a aumentar e, com isso, multiplicam-se os passageiros nas plataformas e dentro das composições. À noite só circula “meio-metro” e nas horas de ponta é de contar com uma boa e portuguesa lata de sardinhas.

Nas últimas semanas, Lisboa veio a acompanhar o desenrolar na realidade da promessa de Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa. A apregoada, e feita de bandeira eleitoral, gratuitidade dos transportes públicos tem preenchido os spots publicitários pela cidade e enchido o olho a quem passa. Em relação aos jovens, dada a insuficiência das políticas direccionadas a estes, gerou muito entusiasmo, ainda que estes estejam sempre cépticos pela deterioração dos serviços. Mas vejamos as letras pequeninas.

A gratuitidade dos transportes públicos é apenas concedida para a área do concelho de Lisboa (Passe Navegante Lisboa) e quando conjugadas as seguintes condições: ser jovem até aos 23 ou 24 anos (Cursos de Medicina e Arquitectura), beneficiários do passe 4-18 e sub23; ser estudante e ter domicílio fiscal no município de Lisboa. A faixa de jovens que detém estas condições é quase ínfima quando comparada ao total de jovens na Área Metropolitana.

Há ainda casos que são verdadeiras jóias. Imaginemos a situação de um jovem de 22 anos, com domicílio fiscal no município de Lisboa, beneficiário do passe sub23 e estudante na Faculdade de Motricidade Humana. À partida teria todas as condições de usufruir da medida em causa, mas uma vez que a gratuitidade só se aplica até aos limites do concelho de Lisboa, este jovem terá de pagar o Passe Navegante Metropolitano, já que a Faculdade de Motricidade Humana se localiza no concelho de Oeiras.

Ainda que Carlos Moedas já tenha referido a intenção do executivo quanto à progressão desta medida, o que é facto é que o que entra agora em vigor não é nenhum “SIM”. É uma medida pequena e fechada que não serve a cidade, serve alguns cidadãos – poucos. Lá fora já não é novidade, mas sim política base, que uma capital tem de se compreender como a Área Metropolitana e não exclusivamente a cidade que lhe dá nome. Em Lisboa, ficamo-nos por estas políticas de meio-metro, que pouco mais têm do que marketing político e lugar num dos outdoors da rotunda Marquês de Pombal.

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