Von der Leyen defende redistribuição dos lucros excessivos das empresas de energia

A presidente da Comissão Europeia avançou um plano em cinco eixos para suster a escalada dos preços da electricidade e ajudar as famílias e empresas a enfrentar uma “situação extraordinária”, provocada pela manipulação do mercado pela Rússia e agravada pelos efeitos das alterações climáticas.

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Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia Reuters/JOHANNA GERON

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, defendeu esta quarta-feira, o estabelecimento de um tecto máximo para o preço do gás importado da Rússia para a União Europeia, de forma a cortar as receitas que o Presidente Vladimir Putin continua a utilizar para “financiar a sua guerra atroz sobre a Ucrânia”.

As importações de gás da Rússia para a UE caíram de 40%, antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, para os 9%, pelo que a justificação apresentada para a medida foi mais política do que económica. “Sabemos que as nossas sanções estão a ter um impacto muito negativo na economia russa, mas o Presidente Putin continua alimentar a máquina de guerra através da exportação de gás. Temos de cortar com estas receitas”, argumentou Von der Leyen.

A líder do executivo comunitário denunciou mais uma vez a utilização da energia como uma arma pela Rússia, criticando a manipulação do mercado do gás que se está a reflectir no mercado da electricidade em toda a Europa. A agravar o quadro, estão os efeitos das alterações climáticas, que levaram a uma redução de 26% da produção hidroeléctrica desde o início do ano (em Portugal, a redução foi de 46%).

“Estamos a enfrentar uma situação extraordinária”, reconheceu Von der Leyen, notando que os consumidores estão a ser confrontados com “preços astronómicos da electricidade”, enquanto os operadores têm de lidar com uma “enorme volatilidade do mercado”.

“Temos de proteger os consumidores e as empresas vulneráveis e ajudá-los a adaptarem-se”, vincou a presidente da Comissão, que avançou a “receita” que o executivo vai defender na reunião extraordinária do Conselho de Energia da União Europeia, marcado para sexta-feira, e onde os ministros dos 27 vão discutir um conjunto de medidas imediatas de intervenção sobre o mercado para suster a escalada dos preços e fazer baixar a factura dos clientes de electricidade, sem comprometer a segurança do abastecimento.

Como antecipou Von der Leyen, o plano da Comissão tem cinco eixos: a poupança de energia; a introdução de preços de referência ou tectos máximos tanto para o valor do gás russo importado por gasoduto como para as tecnologias inframarginais utilizadas na geração de electricidade; a definição de uma “contribuição de solidariedade” a cobrar aos produtores de energia a partir de combustíveis fósseis; e a autorização de um regime excepcional no quadro das ajudas de Estado, para os Estados-membros poderem apoiar as empresas com necessidade de liquidez.

Esta última medida visa evitar um novo “momento Lehman Brothers” por incapacidade financeira das empresas de energia: a ideia é que os governos possam, temporariamente, conceder apoios directos, sob a forma de garantias ou outros, para garantir a liquidez necessária aos operadores que começam a ficar esmagados pelo aumento das margens. Segundo os cálculos da estatal norueguesa Equinor, citados pela Bloomberg, a pressão acumulada sobre a tesouraria das empresas de energia já vai em cerca de 1,5 biliões de dólares — o que levou vários governos a tomar medidas para evitar a falência das suas fornecedoras de energia.

Mas ao mesmo tempo, a Comissão propõe agir sobre as receitas excessivas e os lucros inesperados que as empresas têm vindo a acumular em função do aumento do preço do gás e da inflação — tanto aquelas que utilizam as chamadas tecnologias inframarginais para a geração de electricidade, como as que recorrem aos combustíveis fósseis.

“Vamos propor um limite máximo para as receitas das empresas produtoras de electricidade com baixo teor de carbono, que não reflectem os seus custos de produção. Chegou o momento dos consumidores beneficiarem dos baixos custos das fontes de energia alternativas, como as renováveis”, defendeu Ursula von der Leyen. A ideia, explicou, é que que a receita (extraordinária) acima do preço máximo a definir seja obrigatoriamente redistribuída “para apoiar as pessoas vulneráveis e as empresas a adaptarem-se”.

“O mesmo tem de acontecer com os lucros inesperados das empresas de combustíveis fósseis”, prosseguiu Von der Leyen. “As companhias petrolíferas e de gás também estão a arrecadar lucros maciços, pelo que vamos propor que paguem uma contribuição solidária para ajudar a enfrentar esta crise”, anunciou a presidente da Comissão, sem chamar “taxa” ou “imposto” a esta contribuição.

Alguns países europeus já aprovaram legislação para taxar os lucros excessivos das empresas de energia, uma medida que a Direcção Geral de Energia da UE considerava ser “incompatível” com a fixação de um tecto máximo para as receitas das tecnologias inframarginais, num documento de trabalho que circulou em Bruxelas na semana passada.

Quanto ao primeiro objectivo, a poupança, a ideia é reduzir a procura de electricidade nas horas de pico do consumo, para evitar o racionamento se a crise se prolongar. Ursula von der Leyen tem insistido nessa tecla. “Há uma escassez no fornecimento global de energia, que exige uma redução inteligente da procura, com uma estratégia que faça baixar os picos que impulsionam o preço da electricidade”, disse.

A proposta da Comissão passa pelo estabelecimento de uma “meta vinculativa” para a redução do consumo de electricidade nas horas de ponta. Na sua declaração, Ursula von der Leyen não quantificou essa meta (no final de Julho, os 27 estabeleceram uma meta de 15% para a redução do consumo de gás), nem adiantou que tipo de medidas podem ser tomadas para diminuir o consumo. “Trabalharemos em estreita colaboração com os Estados-membros para atingir este objectivo”, referiu a presidente da Comissão, sugerindo assim que a definição das acções concretas para o corte do consumo serão de âmbito nacional.

Ursula von der Leyen reúne-se, esta quarta-feira, com os representantes permanentes dos Estados-membros, para lhes dar a conhecer a sua proposta em maior detalhe: a expectativa é que este plano em cinco pontos possa servir de guião para enquadrar a discussão entre os ministros no Conselho de Energia.

A presidência checa já tinha pedido que os países sinalizassem, num menu de opções possíveis para o desenho de um mecanismo de intervenção de emergência sobre o mercado da electricidade, quais eram as medidas que favoreciam e aquelas que descartavam. Uma hipótese que reunia a simpatia de vários Estados-membros passava pelo “decoupling” (desligamento) dos preços do gás e da electricidade, uma mexida estrutural no actual sistema de fixação de preços que a Comissão diz que ainda precisa de ser melhor estudada.

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