Metas climáticas das empresas portuguesas projectam aquecimento global de 2,6ºC
Relatório confirma que empresas portuguesas estão muito longe de cumprir metas do Acordo de Paris. Análise a mais de 11 mil empresas de vários países conclui que nenhum país do G7 está preparado para cumprir o objectivo de manter o aquecimento global abaixo dos 1,5 graus Celsius
“A análise dos objectivos climáticos das empresas sugere um acordo de Paris actualmente inatingível”, destacam os autores do relatório do projecto internacional CDP - Transparência, Visão, Acção. A análise aos dados reportados por mais de 11 mil empresas revela que as metas das emissões nos países do G7 traduzem-se num aumento global de temperatura de 2,7 graus Celsius. Em Portugal, as 46 empresas abrangidas por este trabalho mostram o país alinhado com os 2,6 graus Celsius.
O CDP (que até recentemente se chamava “Carbon Disclosure Project") é uma organização sem fins lucrativos que apoia investidores, empresas, cidades e regiões a gerir os impactos ambientais, financiada pela União Europeia. O relatório divulgado esta terça-feira foi feito em parceria com a empresa de consultoria de gestão Oliver Wyman e analisou mais de 11.400 empresas fornecedoras de produtos ou serviços, que reportam dados ambientais aos seus clientes através do CDP.
“Com base nas actuais metas de redução de emissões estabelecidas pelas empresas, nenhum país do G7 [Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido] tem um sector corporativo com probabilidade de descarbonizar rápido o suficiente para atingir a meta de 1,5 graus Celsius”, concluiu ainda o CDP, acrescentando que “colectivamente, as empresas nos países do G7 caminham para 2,7°C de aquecimento global”.
O relatório mostra que as empresas na Alemanha, Holanda e Itália têm as metas mais ambiciosas para reduzir as emissões, no G7, onde as emissões colectivas devem corresponder ao ritmo de descarbonização necessário para limitar o aquecimento global a 2,2ºC.
Os dois países líderes são seguidos pela França (2,3ºC), Reino Unido (2,6ºC) e Estados Unidos (2,8ºC), enquanto as empresas do Canadá são as que se saem pior no grupo dos sete países, com metas alinhadas com 3,1ºC de aquecimento, em média.
“Com a aproximação da COP27, a lacuna entre o que é prometido pelos formuladores de políticas e a economia real é considerável”, constata a organização que além do acompanhamento dos dados sobre o carbono também pede às empresas e cidades informações sobre outros temas como o clima, florestas, água e biodiversidade.
O estudo usa uma ferramenta do CDP que ajuda a compreender a qualidade e ambição dos objectivos das empresas para reduzir as emissões. “Baseia-se nas metas de emissões comunicadas publicamente (ou falta delas). O CDP calcula as classificações comparando a redução esperada das emissões de uma empresa ao longo do tempo com vias de aquecimento global baseadas na ciência” explica organização numa nota enviada ao PÚBLICO. Assim, precisam, “uma classificação de 2,6 graus para Portugal reflecte o provável aumento da temperatura se as emissões globais descessem à mesma velocidade que as empresas portuguesas”.
No caso de Portugal, adiantam ainda, o estudo abrange 48 empresas no conjunto de dados, dedicadas aos sectores de serviços (23%), materiais (19%), infra-estruturas (15%), e retalho (8%).
Pouca ambição
“O mais importante factor de redução rápida de emissões é a definição de metas ambiciosas. Não é aceitável que nenhum país, muito menos as economias mais avançadas do mundo, tenha indústrias com tão pouca ambição colectiva”, alerta, em comunicado, o director global de Mercados de Capitais do CDP, Laurent Babikian.
Apesar destes dados, a análise mostra um melhor desempenho das empresas europeias em relação às norte-americanas e asiáticas, em todos os sectores.
“A nossa análise mostra que em todos os sectores industriais as empresas europeias estão à frente dos seus pares na Ásia e na América do Norte. Embora não espere que isto mude como impacto das actuais crises na Europa, espero que a crescente pressão dos mercados financeiros, reguladores e cadeias de abastecimento acelere a taxa de mudança fora da Europa e feche esta lacuna”, afirma Laurent Babikian ao PÚBLICO.
O comunicado do CDP destaca, por exemplo, o sector de produção de energia europeu que neste estudo surge à frente de todos os outros, com metas que limitam o aquecimento global a 1,9 graus Celsius, abaixo dos 2,1 gruas Celsius das empresas norte-americanas e dos 3 graus Celsius das empresas asiáticas neste sector.
O impacto da crise energética
O CDP nota ainda que, de forma geral, o sector empresarial europeu melhorou de 2,7 graus Celsius em 2020 para 2,4 graus Clesius em 2022. “No seu conjunto, as empresas com metas baseadas na ciência reduziram as emissões em 25% desde 2015”, acrescentam.
“No ano passado, na Europa, vimos num ano um aumento de 85% no número de empresas com objectivos aprovados com base científica. Isto continua agora. As empresas compreendem que têm de descarbonizar rapidamente. Os investidores e os bancos exigem objectivos com base científica. E está a chegar regulamentação na Europa que irá pedir às empresas que revelem o seu alinhamento com 1,5 graus”, avisa Laurent Babikian.
Mas será que a actual crise energética global terá um impacto nestes indicadores? “Estamos demasiado cedo nesta crise para dizer se está a ter impacto na ambição climática das empresas, mas não o espero. Por um lado, a crise energética já fez a UE aumentar o seu objectivo em matéria de energias renováveis e existe um acordo político sobre a urgência do Green Deal. Alcançar uma economia com emissões líquidas zero é essencial e esta crise demonstrou a nossa dependência excessiva dos combustíveis fósseis”, responde Laurent Babikian.
O acordo climático de Paris visa um limite de 1,5 graus Celsius para o aquecimento global - uma meta que o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC) diz que deve ser cumprida para evitar impactos ainda mais catastróficos das mudanças climáticas.
De acordo com o IPCC, a diferença entre as consequências de um aumento abaixo de 1,5 graus Celsius e de, por exemplo, 2 graus Celsius inclui um aumento de 10 vezes na probabilidade de verões árticos sem gelo, um aumento de 2,6 vezes no número de pessoas expostas a eventos de calor extremo e duas vezes o impacto na pesca marinha e nas culturas rendimentos, de acordo com o IPCC.
Com Agências