Glaciar da Antárctida pode recuar ao dobro da velocidade actual

Nos últimos dois séculos, o glaciar Thwaites teve momentos em que recuou a uma grande velocidade, segundo observações feitas no local.

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O navio da expedição e o glaciar Thwaites ao fundo Alexandra Mazur/Universidade de Gothenburg

O glaciar Thwaites é apresentado em muitas notícias como uma bomba relógio devido ao seu tamanho e ao papel que pode ter no aumento do nível médio do mar. Situado na região Oeste da Antárctida, o seu contínuo retrocedimento faz com que os cientistas prevejam que ele desapareça nos próximos 200 anos. Mas estas previsões assentam em modelos que estão continuamente a ser melhorados. Um novo estudo analisou as marcas que esta massa de gelo foi deixando no chão marinho à medida que foi recuando e mostrou que, no passado, este glaciar já retrocedeu a uma velocidade duas vezes superior à de agora.

“Cobrindo uma área de 192.000 quilómetros quadrados, o glaciar Thwaites tem o tamanho da Florida e, juntamente com os glaciares vizinhos, contém gelo continental suficiente para aumentar o nível médio do mar em mais de um metro”, adiantam Alastair Graham, da Universidade do Sul da Florida, nos Estados Unidos, Lauren Simkins, da Universidade da Virgínia, também nos EUA, e Anna Wåhlin, da Universidade de Gothenburg, na Suécia, três investigadores de glaciares que participaram no estudo agora publicado na revista Nature Geoscience. Numa comparação mais próxima, o tamanho do glaciar equivale a mais duas vezes o território português.

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Os investigadores Robert Larter (à esquerda), do Serviço Antárctico Britânico, e Alastair Graham (à direita), da Universidade do Sul da Florida, observam o glaciar Thwaites Frank Nitsche

“Os modelos de computador avisam que, nas próximas décadas, o glaciar poderá perder gelo mais rapidamente, acelerando a subida do nível do mar durante o tempo de vida de duas pessoas. Apesar destes avisos, os modelos de hoje sofrem de falta de observações locais para poderem ter um termo de comparação e poderem calibrar as suas previsões”, escrevem os três cientistas no site Earth & Environment, que promove discussões para a comunidade dos leitores das revistas da editora Nature, onde a Nature Geoscience se insere.

Até ao fundo do gelo

Para conhecerem melhor aquele glaciar, a equipa foi estudar o fundo marinho perto da linha onde o glaciar assenta na terra. A orla dos glaciares avança e flutua no mar, mas a maior parte da sua base assenta na terra firme devido ao seu peso. No entanto, glaciares como o Thwaites são estruturas enormes. Actualmente, a parte dianteira daquele glaciar afunda mais de 200 metros nas águas frias da baía de Pine Island, cujo fundo marinho está a mais de 800 metros de profundidade. É preciso caminhar 50 quilómetros para dentro do continente para chegar a uma zona onde o gelo já está completamente assente na terra, a cerca de 1000 metros de profundidade.

É ali que se encontra a linha de gelo, onde o mar toca no interior do glaciar, e que é mastigada ano após ano pelas águas polares, no contexto das alterações climáticas. Graças a um veículo robótico laranja chamado Rán, os cientistas conseguiram obter imagens do chão marinho por baixo do glaciar durante o Verão de 2019, que foi marcado por uma falta de gelo fora do comum, permitindo aos cientistas acederem àquela região da baía.

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Imagem computorizada do fundo do oceano, captada pelo robô da expedição, mostra as cristas deixadas pelo recuo do glaciar Alastair Graham/Universidade do Sul da Florida

Através das imagens, a equipa descobriu que o glaciar, à medida que foi retrocedendo no passado, foi deixando pequenas cristas no fundo do mar. Segundo a interpretação dos investigadores, estas cristas formaram-se diariamente, ao longo de anos, espelhando a subida e a descida das marés, que foi forçando o glaciar a moldar aqueles cumes.

A partir de medições das distâncias dessas cristas, os cientistas concluíram que houve momentos, no passado, em que o gelo chegou a retroceder a uma velocidade de 2,1 quilómetros por ano, dependendo da conformação do próprio chão marinho. Essa velocidade é o dobro da velocidade de recuo daquele glaciar que os satélites mediram entre 2011 e 2019, de acordo com um comunicado de imprensa da Universidade do Sul da Florida. “Os nossos resultados sugerem que ocorreram momentos de recuo muito rápido do glaciar Thwaites nos últimos dois séculos”, refere Alastair Graham, no comunicado. Por isso, se o chão marinho apresentar novas condições para isso, “é provável que ocorram momentos semelhantes de recuo rápido do glaciar” no futuro próximo, conclui o artigo.