Liz Truss é a nova líder dos conservadores e a próxima primeira-ministra do Reino Unido
Perante as várias ameaças à economia britânica e ao serviço nacional de saúde, a sucessora de Boris Johnson vai tentar conciliar as suas promessas de menos Estado, com a necessidade de ajudar a população e as empresas a enfrentarem a crise energética e os impactos da pandemia de covid-19.
Sem surpresas, mas com uma demonstração de apoio aquém do triunfo de Boris Johnson em 2019, a ministra dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Elizabeth Truss, foi eleita líder do Partido Conservador britânico. A vitória, anunciada nesta segunda-feira, abriu-lhe também as portas do n.º 10 de Downing Street, de onde irá governar o país até finais de 2024.
Numa curta declaração, ao fim da manhã, o deputado conservador Graham Brady anunciou que 81.326 militantes do Partido Conservador votaram em Liz Truss (57%) e 60.399 votaram no ex-ministro das Finanças, Rishi Sunak (43%).
Estava encontrada, ao fim de quase dois meses e de seis rondas de votação, a nova líder dos conservadores britânicos e a próxima primeira-ministra do Reino Unido, numa eleição que teve 82,6% de participação — menos cinco pontos do que a afluência em 2019, quando Boris Johnson conquistou a liderança dos conservadores com 66,4% dos votos e foi indigitado como líder do Governo.
Numa primeira reacção, Truss, de 47 anos, elogiou o seu adversário na eleição interna e dirigiu-se ao seu antecessor, a quem se referiu como “um amigo”.
“Boris, tu fechaste o ‘Brexit’. Esmagaste Jeremy Corbyn e disponibilizaste as vacinas. E fizeste frente a Vladimir Putin. És admirado desde Kiev a Carlisle”, disse Truss, num resumo daquelas que considera ser as maiores vitórias políticas do mandato de Johnson.
Numa entrevista à BBC, depois do anúncio dos resultados, Sunak, de 42 anos, não esclareceu qual será o seu posicionamento até ao fim do mandato de Truss, alimentando a ideia de que estará disponível para liderar o partido se os conservadores forem derrotados em 2024.
Questionado sobre se aceitaria um cargo no Governo de Truss, Sunak disse que esse cenário não está nos seus planos. Durante a campanha, o ex-ministro das Finanças descartou essa possibilidade, por não concordar com as propostas de Truss para a economia.
Na rede social Twitter, Dominic Raab — um apoiante de Sunak e antecessor de Truss no cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros — deu os parabéns à nova líder do Partido Conservador e apelou à união.
“Parabéns a Rishi Sunak por uma boa campanha. Agora, temos de nos unir e apoiar a nova primeira-ministra”, disse Raab.
Divisão interna
Com a economia do Reino Unido a caminhar para uma recessão (segundo uma análise da agência S&P), e com a população ameaçada pela subida galopante dos preços da energia e por uma degradação dos cuidados de saúde, a próxima primeira-ministra britânica tem à sua frente uma missão difícil, e que será um duplo teste à sua capacidade de liderança. Primeiro, no partido, onde a sua imagem de “Boris Johnson parte II” pode dificultar a necessária pacificação interna; e depois, no país, onde as suas promessas de contenção nos gastos públicos podem chocar com as necessidades das populações mais carenciadas e das pequenas empresas.
Uma das missões de Truss é voltar a unir o Partido Conservador depois da saída forçada de Johnson, mergulhado numa série de casos relacionados com as festas em Downing Street durante a pandemia e com a sua defesa de um deputado acusado de abuso sexual.
No primeiro sinal sobre a sua continuidade no Governo até ao fim do actual mandato, Truss prometeu aos conservadores “uma grande vitória em 2024”, enterrando de vez os rumores sobre a possibilidade de vir a convocar eleições antecipadas para dar legitimidade popular à sua nova função.
Como determina o sistema britânico, Truss chega ao cargo de primeira-ministra na sequência da sua eleição como líder do partido no Governo – neste caso, com a aprovação de 57,4% de 0,3% do eleitorado geral.
Segundo a Universidade Queen Mary, os eleitores que escolheram o sucessor de Johnson são, maioritariamente, homens, brancos, com mais de 65 anos, residentes no Sul de Inglaterra, de classe média e alta e pró-“Brexit”.
Resposta à crise energética
Para afastar quaisquer dúvidas sobre a sua determinação em manter o rumo ideológico de Johnson, Truss disse também que vai “governar como uma conservadora”, repetindo a promessa de fazer aprovar “uma ambiciosa proposta de redução de impostos e de crescimento da economia”.
A nova primeira-ministra britânica está pressionada para responder à crise energética, e ao impacto da pandemia de covid-19 no serviço nacional de saúde britânico, sem comprometer as suas promessas de cortes nos serviços públicos e nas prestações sociais — uma quadratura do círculo que, segundo alguns comentadores, poderá resultar em mais uma reviravolta nos princípios políticos de Truss.
“Irei responder à crise energética, às dificuldades das pessoas para pagarem as suas facturas de energia, mas também irei enfrentar os nossos problemas de fornecimento de energia”, disse Truss, referindo-se aos cortes no fornecimento de gás da Rússia para o Leste e o Centro da Europa, que afecta o Reino Unido à medida que os preços vão subindo em todo o mundo.
No jornal Guardian, o colunista Simon Jenkins recorda a crítica mais comum que é feita a Truss — a de que muda facilmente de lados — para admitir que a nova primeira-ministra pode chegar ao fim de 2024 com hipóteses de derrotar o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer.
“Desde que ela mantenha o hábito de ajustar as suas ideias à direcção do vento, poderá melhorar a sua posição nas sondagens ao longo do próximo ano”, diz Jenkins.
Segundo os media britânicos, está em cima da mesa um pacote de 100 mil milhões de libras (115 mil milhões de euros) para conter os impactos da crise energética, que pode incluir um congelamento das facturas individuais e das pequenas empresas — uma medida criticada pelos sectores mais conservadores do partido.
Recessão e UE
Truss chega ao Governo britânico numa semana em que a agência de rating S&P anunciou um declínio “grave e acelerado” da produção industrial e um enfraquecimento da actividade no sector dos serviços.
“A nova primeira-ministra vai encontrar uma economia que corre um risco acrescido de recessão”, disse um dos principais economistas da S&P, Chris Williamson, citado pelo Guardian. “A economia [britânica] enfrenta uma deterioração no mercado de trabalho e uma persistente subida dos preços, ligada aos aumentos dos custos da energia.”
Em termos de política externa, é provável que Truss mantenha o apoio ao Governo ucraniano que fez de Johnson uma figura admirada na Ucrânia. E é possível que as pressões internas, no partido e no Reino Unido, levem Truss e o seu Governo a procurarem uma nova plataforma de discussão com a União Europeia por causa do Protocolo da Irlanda, para evitarem uma guerra comercial em cima de todas as outras crises que ameaçam o Reino Unido.
No Twitter, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, felicitou Truss e deixou um recado ao novo Governo britânico.
“Somos parceiros. Enfrentamos muitos dos mesmos desafios, das alterações climáticas à invasão da Ucrânia pela Rússia”, disse a responsável. “Antecipo um relacionamento construtivo, em total respeito pelos nossos acordos.”