Haaland recupera uma lei antiga num futebol moderno
Se marca golos, tem de estar onde os golos são marcados. Pep Guardiola recuperou um princípio antigo do futebol – que o próprio tinha abandonado com os ataques mais dinâmicos e menos posicionais –, porque se Haaland é diferente, e é, as soluções têm, também elas, de ser diferentes.
Ponto prévio: poucos seguidores de futebol – nem mesmo os mais críticos de Erling Haaland – apostariam dinheiro seu em como o avançado norueguês seria um flop em Inglaterra – fazendo-o, roçariam o epíteto de “loucos”. Dito isto, alguém esperaria que Haaland tivesse um impacto tão rápido e, sobretudo, tão incontestável? Possivelmente, quem o dissesse seria tão louco como os anteriores.
É entre estas duas premissas que se justifica falar do que têm sido os primeiros passos de Haaland como jogador do Manchester City, com dez golos em sete jogos. Sendo certo que os preceitos de goleador de elite não são uma surpresa, é também claro que estão acima do que era suposto – e este conceito, “o que é suposto”, explica, per se, o que está em causa quando falamos deste avançado. Haaland está a fazer o que não é suposto porque ele próprio é aquilo que não é suposto ser: um protótipo perfeito de um avançado.
Michael Owen, ex-avançado com vasto conhecimento de causa, disse há dias que Haaland “é demasiado grande, demasiado rápido e define na perfeição em frente à baliza”. “Para além disso, joga numa equipa que cria dezenas de oportunidades de golo. Tudo o que precisa é evitar lesões”.
Troy Deeney, também ex-avançado, foi mais longe e, num painel da BBC, falou de alguém que vai revolucionar a posição de ponta-de-lança. “Quando Drogba chegou, toda a gente jogava em 4x4x2. Mas ele chegou e toda a gente pensou ‘uau, temos um avançado que pode ocupar toda a defesa adversária e assim podemos ir em 4x3x3’. Daqui a dez anos, vamos ver pessoas a tentar ter avançados como Haaland: 1,95 metros, a explorar a profundidade, grande finalizador, muito rápido, inteligente e com grande movimentação na área. Faz tudo e acho que é imparável. [No estilo] é um pouco como Darwin Núñez. Serão os novos modelos de avançado”.
Mais tempo na área
Apesar de ser um “avançado total”, o momento da finalização é, com Haaland, muito reduzido. Dados avançados pela BBC mostram que a percentagem de remates de Haaland na área é 96% – superior até à que tinha na Alemanha (94%).
Vardy (88), Agüero (79), Shearer (71), Kane (64) e Drogba (64) estão muito abaixo desse valor e ninguém na era moderna da Liga inglesa, entre os principais goleadores, tem estes valores únicos.
Haaland passa mais tempo na área, no City, do que passava no Dortmund (ver mapas de calor do Sofascore em baixo). E isso vai ao encontro de uma ideia básica do futebol mais rudimentar e menos dinâmico do século passado, mas que, com jogadores deste tipo, estará sempre actualizada: a de que quem finaliza a este nível tem de estar, segundo o jargão futebolístico brasileiro, na “zona do agrião” – a área adversária.
Se ter sido um grande avançado dá legitimidade no tema, então poucos têm a de Ian Wright. “As pessoas têm de ver o que é a movimentação dele na pequena área. Ele marca golos de ressaltos e recargas porque quando os defensores estão a olhar para onde vai a bola ele já está em movimento. Ele sai permanentemente de ao pé dos defensores. A noção de espaço que ele tem na área é extraordinária”.
“É imparável. Ele está sempre escondido no ombro do defensor. Tal como Van Nistelrooy, por exemplo. Nunca está marcado, porque quando o defensor está a ver a bola não consegue vê-lo. Depois, quando olha por cima do ombro, ele já foi embora”, acrescentou Deeney, no mesmo painel.
O que se está a dizer aqui – com suporte estatístico – é que Haaland é um avançado muito completo, a roçar a perfeição, mas que o momento da finalização é feito na área ou mesmo na “pequena área”.
Isto é mau por se tornar unidimensional? Seria, se atrás não houvesse uma equipa com Bernardo, De Bruyne, Mahrez, Foden, Grealish, Gundogan ou Cancelo, que não precisam de Haaland para “malabarismos”. Precisam que ele corra quando lhe derem a bola no espaço e que finalize quando lha entregarem pronta para finalização. Só isso – e isso ele faz. E fá-lo como não faria, por exemplo, o famoso “pinheiro de área”, celebrizado por Paulo Sérgio. Haaland mexe-se e corre como nenhum “pinheiro” faria e é isso que o torna especial.
O que Pep Guardiola fez para 2022-23 foi dar a uma máquina de criar futebol ofensivo alguém com uma capacidade finalizadora superior à de Gabriel Jesus, Sterling ou mesmo Agüero, abandonando o ataque dinâmico e pouco posicional que o próprio ajudou a tornar moda. “Não posso ensiná-lo a marcar golos. Ele tem esse instinto. É uma ameaça incrível na área”, apontou o técnico espanhol, no fim-de-semana.
Se Haaland passa mais tempo na área do que no clube anterior e os colegas criam mais e melhor do que criavam os anteriores, pouco menos do que isto seria de esperar. Agora, é esperar pela queda dos recordes de golos.