António Costa pede desculpa por massacre de Wiriamu: “Acto indesculpável que desonra a nossa História”

“Não posso deixar aqui de evocar e de me curvar perante a memória das vítimas do massacre de Wiriamu, acto indesculpável que desonra a nossa História”, afirmou o primeiro-ministro, perante o Presidente da República de Moçambique, em Maputo.

Foto
António Costa terminou nesta sexta-feira uma visita oficial de dois dias a Moçambique LUSA/LUÍSA NHANTUMBO

O primeiro-ministro, António Costa, pediu nesta sexta-feira desculpa pelo massacre de Wiriamu, que classificou como um “acto indesculpável que desonra” a História de Portugal, num acto raro e histórico de reconhecimento deste massacre revelado pela imprensa inglesa em 1973 e durante muitos anos ignorado em Portugal.

“Neste ano de 2022, quase decorridos 50 anos sobre esse terrível dia de 16 de Dezembro de 1972, não posso deixar aqui de evocar e de me curvar perante a memória das vítimas do massacre de Wiriamu, acto indesculpável que desonra a nossa História”, afirmou, perante o Presidente da República de Moçambique, em Maputo.

No seu discurso no jantar oferecido pelo primeiro-ministro ao Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, António Costa apontou que “uma relação tão intensa e com tal longevidade”, como a dos dois países, “está inevitavelmente marcada pela diversidade, da diversidade dos encontros e dos desencontros, da escravatura e da libertação, do progresso e da pobreza, da guerra e da paz, por momentos que queremos seguramente recordar mas também por momentos e acontecimentos que temos o dever de nunca por nunca esquecer”.

A 16 de Dezembro de 1972, em Wiriamu, cerca de 400 civis desarmados foram mortos por militares portugueses. O massacre foi dado a conhecer ao mundo por um jornalista inglês, Peter Pringle, num artigo do jornal The Times, em 1973, depois de a história ter sido denunciada por missionários estrangeiros a trabalhar na área de Wiriamu.

A investigação do historiador Mustafah Dhada, nascido em Moçambique e radicado nos EUA, ​concluiu que as tropas portuguesas dizimaram um terço dos 1350 habitantes de cinco povoações (Wiriamu, Djemusse, Riachu, Juawu e Chaworha), integradas numa área que ele chama triângulo de Wiriamu, que tem 40 povoações, e que foram afectadas 216 famílias. E também que o massacre foi, como disse ao PÚBLICO numa entrevista em 2015, executado em obediência a ordens de um regime e do Estado português”. Nesse artigo são listadas todas as vítimas que Dhada conseguiu identificar.

Cinquenta anos depois, António Costa realçou a necessidade de não esquecer: “As relações entre amigos são feitas assim, são feitas da gentileza de quem é vítima e faz por não recordar, mas também por quem tem o dever de nunca deixar esquecer aquilo que praticou e perante a História se deve penitenciar”, assinalou.

O primeiro-ministro considerou que isso deve ser feito porque Portugal soube reinventar a sua História com o derrube da ditadura, “que abriu as portas à paz para que a conquistada independência de Moçambique definitivamente tenha consagrado as nossas relações como relações de amizade entre países soberanos, livres e iguais”.

“É a partir desta consciência que de coração aberto e com vontade todos os dias renovada olhamos e queremos construir um futuro em comum”, salientou António Costa.

Em 2008, quando Cavaco Silva visitou Moçambique, enquanto Presidente da República, foi questionado sobre o massacre de Wiriamu, em conferência de imprensa conjunta com o Presidente moçambicano Armando Guebuza, e respondeu de forma vaga: “A História é feita pelos homens todos os dias, com os seus defeitos e virtudes.” “O que fizemos sempre foi olhar para o futuro” e “estamos a percorrer um caminho”, concluiu.

António Costa terminou nesta sexta-feira uma visita oficial de dois dias a Moçambique, onde participou na V Cimeira Luso-Moçambicana.