Pesca intensiva de cinco países afecta a grande ilha de lixo do Pacífico, diz estudo

Depois de, em 2019, a Ocean Cleanup ter recolhido 573 quilos de plástico na zona da grande ilha de lixo do Pacífico, a organização sem fins lucrativos tentou caracterizar os resíduos e identificar os países de origem. Deu com imenso material de pesca, sobretudo do Japão, China, Coreia do Sul, Estados Unidos e Taiwan.

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Material de pesca japonês, retirado do mar por ocasião da expedição de 2019 da Ocean Cleanup The Ocean Cleanup

Segundo um estudo publicado na última edição da revista Scientific Reports, do grupo Nature, muito do plástico flutuante que pode ser avistado na chamada “grande ilha de lixo do Pacífico” corresponde a material de pesca originário sobretudo de cinco locais: Japão, China, Coreia do Sul, Estados Unidos e Taiwan. A indústria pesqueira destas nações tem de ser mais “transparente” e tem também de existir mais cooperação internacional para este problema ser devidamente combatido, argumenta-se no artigo científico, cujo autor principal é o oceanógrafo Laurent Lebreton.

O investigador neozelandês integra a Ocean Cleanup, uma organização sem fins lucrativos cuja missão é criar soluções tecnológicas para remover plástico do oceano (ou até mesmo interceptá-lo nos rios, antes que chegue às correntes oceânicas).

Em 2019, entre Junho e Novembro, a Ocean Cleanup, que se encontra sediada nos Países Baixos, realizou uma expedição na zona da grande ilha de lixo do Pacífico, tendo recolhido 573 quilos de resíduos plásticos — incluindo 6093 itens com um tamanho superior a cinco centímetros.

Laurent Lebreton e a equipa com quem trabalhou neste estudo tentaram identificar as origens e datas de produção destes objectos maiores. Inspeccionaram-nos, procurando “pistas” como, por exemplo, informações escritas (a língua poderia ser indicativa do local de produção daquele lixo) ou logótipos de marcas.

Somente nos casos de línguas que são oficiais num único país (como o japonês) é que os investigadores se basearam meramente no idioma para atribuir um local de origem ao lixo. Quanto à presença nos resíduos de informações escritas em inglês ou espanhol, esta não foi considerada como uma “pista” relevante por si só, dada a universalidade das duas línguas.

Com logótipos de marcas, seguiu-se uma lógica idêntica. Só se a marca em questão fosse somente nacional e não internacional é que era possível usar a presença do seu logótipo como uma indicação praticamente inequívoca de que aquele plástico fora produzido num determinado território.

Implementando simulações em que foram usados dados sobre correntes oceânicas, Laurent Lebreton e os restantes investigadores tentaram ainda perceber como e onde é que o plástico da grande ilha de lixo do Pacífico entra no oceano (e de que forma é que ele pode, uma vez dentro de água, ser transportado).​

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Recolha de lixo levada a cabo pela Ocean Cleanup em 2019 The Ocean Cleanup

Material de pesca totalizava 26% do lixo analisado

Apesar de 33% dos 6093 itens analisados terem sido rotulados como “fragmentos não identificáveis”, a Ocean Cleanup encontrou no mar uma percentagem significativa de material pesqueiro (26%), desde caixas de pesca a armadilhas para enguias, por exemplo.

A organização neerlandesa refere também que 201 objectos continham informações escritas num idioma reconhecível. As línguas chinesa (34%), japonesa (33%), inglesa (17%) e coreana (10%) foram as mais identificadas.

Não foi possível determinar a origem de 19 objectos com informações escritas, pois a língua era demasiado comum e faltavam “pistas” complementares. Por outro lado, os investigadores conseguiram perceber onde é que terão sido produzidos 42 objectos desprovidos de informações escritas, porque estes incluíam logótipos de marcas ou empresas locais. No sentido inverso, a origem de 101 objectos que continham logótipos de marcas internacionais permaneceu por atribuir.

Japão (34%), China (32%), Coreia do Sul (10%), Estados Unidos (7%) e Taiwan (6%) foram os locais de origem mais identificados pelos autores do estudo, que escrevem: “A identificação destes países de origem é consistente com os resultados de uma expedição feita [pela Ocean Cleanup] na zona da ilha de lixo do Pacífico em 2015.”​

No que diz respeito às idades dos resíduos analisados, o estudo refere que 49% dos plásticos com uma data de produção identificável haviam sido fabricados ainda no século XX. Tanto quanto deu para apurar, o mais antigo dos itens inspeccionados foi uma bóia de 1966.

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Imagem da primeira recolha de lixo da Ocean Cleanup, em 2015 The Ocean Cleanup

Indústria pesqueira deve ajudar no combate à poluição marítima

Os investigadores referem que, embora o Japão tenha uma indústria pesqueira significativa, não podem ser ignorados os efeitos do tsunami (seguido de um sismo) que arrasou o país em Março de 2011. O facto de o desastre ter levado a que muitos resíduos fossem empurrados para o oceano ajuda a explicar a percentagem tão relevante de plásticos flutuantes japoneses na ilha de lixo do Pacífico, sustentam.

Em todo o caso, entendem os autores, este estudo demonstra que a indústria pesqueira está a ter “um papel importante” na poluição do oceano — e é fulcral que se envolva nos esforços para a mitigar. “É muito mais provável que o material plástico de pesca chegue aos giros oceânicos do Pacífico do que os plásticos que chegam ao mar pela costa. Com estes últimos, a probabilidade de regressarem rapidamente à terra é muito maior”, escrevem os investigadores.

Descoberta na década de 1990, a grande ilha de lixo do Pacífico tornou-se, com os anos, um símbolo dos efeitos do uso generalizado dos plásticos na saúde dos ecossistemas marinhos. Em 2018, estimava-se que esta mancha de plástico flutuante tivesse 1,6 milhões de quilómetros quadrados — 17 vezes o tamanho de Portugal (ilhas incluídas).