Como as alterações climáticas submergiram um terço do Paquistão
Onda de calor, degelo de glaciares, depressão e chuvas de monções criaram um cocktail explosivo, traduzindo-se naquelas que serão as “piores inundações deste século” para o Paquistão. Já morreram mais de 1100 pessoas e um milhão de casas foram destruídas.
Numa notícia publicada esta sexta-feira, a revista científica Nature escreve que pelo menos um terço do Paquistão está, neste momento, submerso. Uma onda de calor extremamente intensa, que se fez sentir entre Abril e Maio, derreteu glaciares nas regiões montanhosas da zona Norte do país asiático, antes de ter dado lugar a uma época de monções particularmente forte. Resultado: o Paquistão está a enfrentar as suas “piores inundações deste século”, segundo a Nature.
A revista científica, numa tentativa de explicar o porquê de as cheias deste ano estarem a ser tão caóticas no Paquistão, refere que a onda de calor da Primavera terá sido o início da “catástrofe”. Ao longo dos meses de Abril e Maio, os termómetros ultrapassaram os 40 graus Celsius (e mantiveram-se nesses valores por períodos prolongados de tempo) em muitas regiões paquistanesas. Num dos dias de Maio, registaram-se temperaturas de 51 graus na cidade de Jacobabad.
Por um lado, o calor levou ao derretimento de glaciares (o que fez aumentar a quantidade de água nos afluentes de rios como o Indo, o mais extenso e importante do Paquistão). Por outro, o ar quente tende a gerar níveis de humidade mais elevados do que o ar frio. Daí o alerta que, a certa altura, foi dado por meteorologistas paquistaneses: as temperaturas extremas provavelmente levariam a níveis de precipitação anormalmente elevados durante a época de monções.
A previsão cumpriu-se. As chuvas intensas começaram no início de Junho, em algumas regiões costeiras do Paquistão, e desde então só têm piorado. No final da semana passada, a Bloomberg escrevia que os níveis de precipitação observados este ano já ultrapassaram os valores que foram registados quando o Paquistão sofreu as suas catastróficas inundações de 2010.
A Nature explica que as chuvas de Junho começaram num momento em que, depois da onda de calor, veio “outro evento extraordinário”: a formação de uma grande depressão no mar da Arábia. Este evento, ocorrido numa região que, segundo especialistas ouvidos pela Nature, não está habituada a receber depressões tão severas, ajuda a explicar o porquê de ter começado a chover com intensidade antes do início da época de monções — que tem sido muito exigente.
António Guterres chamou-lhe, ainda esta semana, uma época de monções “em esteróides”. O secretário-geral das Nações Unidas pretende angariar 160 milhões de dólares (cerca de 159 milhões de euros) para ajudar o Paquistão a fazer face às cheias. “Deixemos de dormir acordados rumo à destruição do nosso planeta. Hoje, é o Paquistão. Amanhã, pode ser o vosso país”, afirmou o português, numa mensagem vídeo.
Inundações avolumaram-se imenso no espaço de um mês
A agência espacial norte-americana NASA divulgou recentemente duas imagens de satélites, captadas a 4 e 28 de Agosto, respectivamente. São vistas aéreas de uma porção do território paquistanês, com o rio Indo a surgir em grande plano. Ao passo que a primeira fotografia dá conta de um cenário aparentemente normal, a segunda exibe uma fortíssima prevalência do azul sobre o verde, o que é representativo da dimensão assustadora das cheias.
A NASA refere que, este ano, os níveis de precipitação nas províncias paquistanesas do Baluchistão e de Sindh já estão cinco a seis vezes maiores do que os valores médios (referentes aos últimos 30 anos). A maioria desta chuva caiu durante a época das monções, refere a agência espacial.
As inundações já mataram mais de 1100 pessoas e destruíram um milhão de casas. Cerca de 33 milhões de pessoas (mais ou menos um sétimo da população paquistanesa) já foram prejudicadas por esta catástrofe climática, que também já terá afectado mais de 3000 quilómetros de estrada, derrubado cerca de 150 pontes, destruído variadíssimas plantações agrícolas e, ainda, provocado a morte de mais de um milhão de animais.
Esta semana, a ABC News escreveu que, devido ao facto de as cheias terem desfeito as suas casas, cerca de 500 mil pessoas estão neste momento a viver em campos de apoio humanitário. Acredita-se que muitas outras estejam ainda a morar com amigos ou familiares.
O impacto das alterações climáticas
Na óptica dos especialistas ouvidos pela Nature, o papel das alterações climáticas tem de ser considerado quando se fala dos eventos meteorológicos extremos que têm perturbado o Paquistão. Com o aquecimento global, é provável que no futuro venhamos a ter não só ondas de calor mais frequentes e com impactos mais relevantes, como também fenómenos de precipitação mais destrutivos.
“Entre 1952 e 2009, as temperaturas no Paquistão aumentaram 0,3 graus Celsius por década, o que está acima da média global”, refere a Nature na sua notícia — em que, de resto, é referido que poderão não ser só climáticos os motivos do cenário de destruição que assola o Paquistão neste momento.
A revista científica refere que, segundo alguns investigadores, a instabilidade política do país asiático (que está a tentar sair de uma crise) e a sua falta de recursos também estarão a contribuir.
Especialistas acreditam ser ineficaz o sistema de alerta precoce de inundações que o Paquistão tem. Referem também que faltam infra-estruturas de drenagem e armazenamento de água.
À BBC, o primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif, rejeitou as críticas de que as autoridades demoraram a responder quando, no início do Verão, as inundações começaram a acontecer. “Vamos certamente aprender com a nossa experiência, mas a comunidade global tem de nos apoiar”, afirmou, dizendo haver “uma lacuna enorme” entre a ajuda de que o Paquistão necessita e aquela que efectivamente estará a receber.
No início desta semana, a ABC News escreveu que as chuvas que assolaram o Paquistão desde Junho “pararam esta semana — e as inundações em algumas áreas estão a recuar”. Mas “paquistaneses em muitas partes do país ainda estão a tentar caminhar sobre as águas que encheram as suas casas e cobriram as suas ruas”.