Medidas urgentes para combater as alterações climáticas em Portugal
Desde 2000, a temperatura média em Portugal aumentou dois graus Celsius. Isso significa, objetivamente, que o impacto das alterações climáticas é mais acelerado em Portugal do que noutras partes do mundo. Não podemos dizer que esta evolução seja surpreendente, já que Portugal é um país particularmente vulnerável às alterações climáticas.
O clima semidesértico de algumas regiões, a proximidade dos padrões climáticos do norte de África, a perda da cobertura florestal devido à urbanização e aos fogos estivais que todos os anos consomem centenas de milhares de hectares, a expansão da agricultura intensiva, o desperdício de água, a baixa taxa de reciclagem e o acentuar dos padrões neoliberais de consumo em muito ultrapassam os meritórios avanços na diversificação e utilização de energias renováveis e o encerramento de centrais térmicas a carvão.
É frequente dizer-se que temos sido relativamente bem-sucedidos na adesão à agenda verde da União Europeia e ao compromisso de descarbonização da economia até 2050. Há também passos relevantes na adoção de legislação específica, em particular, a chamada Lei do Clima, que, apesar da bondade das intenções, não passa de mais uma peça legislativa de caráter inibidor, que não retira um único grama de gases de efeito estufa da atmosfera. E esse é um aspeto relevante do problema que enfrentamos. Leis demasiado genéricas, que não têm grande efeito prático, uma vez que não alteram a lógica neoliberal do crescimento económico a qualquer custo.
Há que falar claro. Todas as medidas já adotadas e as decisões em curso são insuficientes para inverter a tendência catastrófica. É urgente alterar o paradigma do transporte individual para o transporte coletivo, de baixo custo ou preferencialmente gratuito, nas áreas metropolitanas. É preciso substituir novas construções pela recuperação dos imóveis existentes, para evitar a destruição adicional de ecossistemas e promover a poupança de betão, cuja produção gera importantes emissões de CO2. É imperativo criar incentivos e meios para armazenar as águas pluviais nas zonas urbanas e nas propriedades agrícolas e impor que todas as novas edificações tenham sistemas de captação de águas e geradores fotovoltaicos. Nas zonas costeiras, a dessalinização das águas do mar deve ser equacionada.
No atual quadro, já não basta diminuir a produção de gases de efeito estufa, é preciso retirar o que existe na atmosfera. A solução passa pela captura direta de dióxido de carbono, através de métodos mecânicos e subsequente tratamento químico e utilização do carbono capturado. Para financiar esta e outras estratégias de mitigação, defendemos a criação de uma taxa específica, a taxa social de resiliência, aplicada a todos os produtos com impacto ambiental negativo. A utilização transparente das verbas angariadas e a associação a propostas específicas é a chave para garantir a aceitação pública desta nova taxa.
É certo que mais de 50 países avançaram para a taxa social do carbono, mas a medida não foi capaz de inibir o consumo dos combustíveis fósseis e, pela sua natureza, permite que os recursos angariados sejam utilizados para quaisquer fins. Já em 2006, o economista inglês Nicolas Stern defendia um investimento de mais de 1% do PIB (2% em 2008) no combate às alterações climáticas, mas a proposta nunca foi seriamente considerada. A taxa de resiliência social pode colmatar estes problemas da taxa social de carbono, vantajosamente alargar o seu escopo, reforçar e direcionar de forma específica o capital disponível.
Outro problema particularmente complexo, quando se equacionam programas de adaptação e mitigação em Portugal, é a fragmentação da estrutura fundiária e a pequena fração do território nacional sob a responsabilidade do Estado. Essa situação é agravada pela desertificação populacional das zonas rurais, que condiciona o impacto de quaisquer políticas coerentes e específicas no combate às alterações climáticas. O arrendamento de propriedade a preço simbólico, sob condições bem definidas de utilização, manutenção e contribuição positiva relativamente às alterações climáticas, através da atração de populações de outras partes do país e do mundo, devem ser consideradas.
Outro caminho é o da coletivização da utilização da terra, para desenvolver atividades agrícolas adequadas às condições existentes e consentâneas com os desafios ambientais. Para tal são necessárias alterações legislativas, mas também uma profunda mudança de mentalidades, de modo a romper preconceitos e despolitizar a ideia de coletivização da propriedade.
Descentralizar e desmaterializar procedimentos administrativos e laborais, pode ser um valioso contributo. A pandemia da covid-19 demonstrou que o teletrabalho pode ser tão produtivo quanto o trabalho presencial, permitindo a poupança de milhões de horas nas deslocações e um considerável benefício para o meio ambiente, já que a circulação contribui, em média, com cerca de 25% do total das emissões. Se, a esta medida de racionalidade laboral, associarmos a semana de quatro dias, podemos alcançar níveis elevadíssimos de mitigação.
Mas não tenhamos ilusões. Nada do que foi exposto será eficaz se não combatermos as desigualdades sociais. A taxa de resiliência social pode também servir este propósito. Capacitar as gerações futuras com os instrumentos para a resolução destes dois problemas fundamentais será a mais preciosa herança que podemos legar.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico