A cientista Felicity Hayes monitoriza as suas colheitas numa de oito estufas nas colinas do País de Gales. Frondosos e verdes, o guandu (leguminosa arbustiva, comum na Ásia, em África e na América Latina) e o mamão (nativo das regiões tropicais das Américas), plantados na Primavera, estão prestes a dar frutos.
Numa estufa vizinha, o guandu está com folhas esburacadas e um amarelo envelhecido, enquanto o mamão atinge apenas metade da altura. A única diferença entre a atmosfera de uma estufa e a de outra: a poluição por ozono.
Felicity Hayes, que trabalha no Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido (UKCEH, na sigla inglesa), está a bombear ozono em várias concentrações nas estufas onde estão a crescer as culturas. A cientista está a estudar o modo como o aumento da poluição por ozono pode afectar o rendimento das colheitas (e a segurança alimentar) nos países em desenvolvimento.
Estudos sugerem que o ozono pode causar perdas substanciais para os agricultores, contribuindo para um envelhecimento rápido das culturas antes que atinjam o potencial máximo de crescimento. Também pode comprometer os processos fotossintéticos e reduzir as defesas das plantas contra pragas.
Um estudo publicado em 2018 na revista Global Change Biology estimou que as perdas globais de trigo causadas pela poluição por ozono ascenderam aos 24 mil milhões de euros anuais entre 2010 e 2012. Num artigo de Janeiro deste ano, publicado na revista Nature Food, os autores contabilizaram 63,1 mil milhões de euros em perdas anuais de trigo, arroz e milho na última década, no Leste asiático.
Os cientistas estão particularmente preocupados com África, que no futuro terá de se confrontar com mais tráfego de veículos e queima de resíduos, uma vez que os números populacionais devem dobrar até meados do século XXI.
Isso significa mais poluição por ozono, que se trata de um grande desafio para os pequenos agricultores, que representam 60% da população da África subsariana.
“Há uma preocupação séria de que a poluição por ozono possa vir a afectar os rendimentos a longo prazo”, sublinha Martin Moyo, do Instituto Internacional de Investigação de Culturas para os Trópicos Semiáridos. O cientista chama a atenção para uma “necessidade urgente de mais estudos rurais para determinar as concentrações de ozono” em todo o continente africano.
No princípio deste ano, cientistas do Centro Internacional para a Agricultura e Ciências da Vida (CABI, na sigla inglesa), sediado no Reino Unido, instalaram equipamentos de monitorização dos níveis de ozono à volta de campos de cacau e milho em três países: Gana, Quénia e Zâmbia.
Mas a maioria dos países africanos não possui estações de monitorização de poluição atmosférica confiáveis ou consistentes. E poucos são os países que têm essas estações e medem os níveis de ozono. É o que diz um relatório de 2019 da Unicef, pelo menos.
Crise climática pode complicar cenário já de si difícil
Na estratosfera, o ozono protege a Terra dos raios ultravioleta. Mais perto da superfície do planeta, ele pode prejudicar plantas e animais, inclusive humanos.
Embora uma regulação mais atenta da qualidade do ar tenha ajudado a reduzir os níveis de ozono nos Estados Unidos e na Europa, prevê-se que a tendência possa evoluir no sentido inverso em África e partes da Ásia. As alterações climáticas também podem acelerar as coisas.
Estudos sugerem que, em áreas de África com muitas emissões de combustíveis fósseis e queima frequente de florestas ou pastagens, o aumento das temperaturas possa agravar o problema, pois pode desencadear e acelerar reacções químicas que resultam na formação de ozono.
Embora alguns estudos tenham constatado que o trigo norte-americano é geralmente menos afectado pelo ozono do que o europeu e o asiático, há menos estudos sobre as versões africanas das culturas, que ao longo de décadas de cultivo se adaptaram a esses ambientes.
Uma vez a cada duas semanas, agricultores quenianos entregam amostras de algumas das suas colheitas mais fragilizadas para as mãos de um “médico de plantas”, esperando que este seja capaz de determinar o que está a afectar as suas culturas.
“Muitos sintomas (de ozono e do seu efeito nocivo) podem ser confundidos com ácaros ou danos fúngicos”, afirma Lena Durocher-Granger, entomólogo do CABI. “Os agricultores podem continuar a aplicar fertilizantes ou produtos químicos pensando que se trata de uma doença, mas é poluição por ozono.”
O CABI está a trabalhar com o UKCEH para, por um lado, ajudar as pessoas a identificar sinais de poluição por ozono e, por outro, recomendar correcções, como regar menos em dias de altas concentrações de ozono (a rega pode deixar os poros das folhas bem abertos, fazendo com que as plantas absorvam ainda mais ozono).
Nas estufas de Felicity Hayes, o nível de ozono mais baixo a que estava a expor as colheitas era idêntico ao que existe no ambiente do Norte de Gales. Na estufa com o nível mais alto de ozono, as plantas estavam a receber mais do triplo dessa quantidade, imitando as condições poluídas do Norte de África.
Felicity Hayes e os seus colegas descobriram que certos alimentos básicos africanos são mais afectados do que outros. Numa estufa com uma quantidade média de ozono, as plantas de trigo do Norte de África passaram de verde para amarelo em apenas alguns meses. “O que se obtém são pequenos grãos finos, com menos proteína e valor nutricional”, refere a cientista.
A observação vai ao encontro de um estudo sobre plantas subsarianas que a sua equipa publicou no ano passado. No âmbito desse estudo, descobriu-se que a poluição por ozono pode estar a reduzir a produção de trigo subsariano em até 13%.
O feijão sofrer ainda mais, com perdas de rendimento estimadas em até 21% em algumas áreas, segundo o mesmo estudo, publicado na Environmental Science and Pollution Research.
“O feijão é uma fonte de proteína útil em África e é muito cultivado”, diz Katrina Sharps, analista de dados espaciais do UKCEH. O milhete subsariano é menos cultivado, mas parece ser mais tolerante ao ozono. “Se o solo e as condições de cultivo forem adequados”, salienta Katrina Sharps, “os agricultores poderão vir a considerar o cultivo de mais milhete”.