No mínimo, Gronelândia fará subir o nível médio do mar em 27 centímetros, alertam cientistas

O processo é irreversível, dizem os cientistas. Estudo baseia-se em medições feitas entre 2000 e 2019 e mostra que as alterações climáticas já comprometeram pelo menos 3,3% do volume de gelo daquela enorme ilha.

Foto
Nas últimas três décadas, o aquecimento global começou a sentir-se no Árctico Michael Kappeler/Reuters

Uma nova abordagem de investigação sobre a dinâmica do gelo da Gronelândia garante que os efeitos das alterações climáticas já comprometeram um derretimento de glaciares daquele território que provocará um aumento do nível médio do mar de, pelo menos, 27 centímetros. Esta subida acontecerá mesmo se houvesse uma paragem total das emissões de gases com efeito de estufa, avança um estudo publicado na última edição da revista Nature Climate Change.

“É um valor mínimo muito conservador”, diz Jason Box, investigador norte-americano do instituto de Serviços Geológicos da Dinamarca e Gronelândia (SGDG), referindo-se aos 27 centímetros. “Se formos realistas, vamos ver este valor mais do que dobrar ainda neste século”, antecipa o cientista, citado num comunicado.

O que há de novo nesta estimativa é que não depende de nenhum dos possíveis cenários futuros relativos às emissões de gases com efeito de estufo. Ou seja, apenas reflecte o aquecimento global que já se infligiu à Terra, que está a provocar profundas alterações no seu clima e que continuará a produzir essas alterações, mesmo que a humanidade decidisse desligar hoje todos os motores de combustão.

Por comparação, no pior cenário apresentado pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), em que a humanidade continua a emitir gases com efeito de estufa como fez até agora, fazendo subir neste século a temperatura média da Terra para 4,3 graus Celsius acima dos valores pré-industriais, estima-se que a subida do nível médio do mar causada pelo derretimento do gelo da Gronelândia será de “apenas” 20 centímetros até 2100.

A importância da linha de neve

Mas como é que a equipa de Jason Box encontrou este novo valor? Através de medições de satélite e no terreno, feitas entre 2000 e 2019, que permitiram compreender a evolução da linha de neve nas várias regiões da Gronelândia, revelando uma situação de desequilíbrio.

Para este estudo, é importante compreender o conceito de linha de neve. Naquelas latitudes, todos os Invernos há uma queda de neve por cima dos glaciares de toda a Gronelândia. Depois, no Verão, a neve que caiu vai derretendo ao longo dos meses, até que o frio retorna e esse derretimento pára.

Aqui, define-se uma fronteira: até uma certa cota daquele território toda a neve que caiu durante o Inverno foi derretida; dessa cota para cima, parte da neve que caiu não se derreteu. Por isso, nessa cota encontra-se a chamada “linha de neve”. Para cima da linha de neve, vai havendo uma acumulação, ano após ano, de gelo. Para baixo, não só derreteu toda a neve, como vai havendo um derretimento do gelo que, no caso da Gronelândia, já lá existia.

Quando o clima se mantém constante, apesar de haver uma variabilidade anual da linha de neve – às vezes mais acima, outras vezes mais abaixo –, há uma situação de equilíbrio ao longo das décadas. Isso significa que não há nem uma acumulação de gelo, nem uma diminuição de gelo.

Mas se o clima entrou numa época de mudança, então o equilíbrio perde-se. Esse é o caso da Gronelândia (e da Terra, em geral). “Usando imagens de satélite, o nosso estudo obteve nos últimos 20 anos a posição da linha de neve no fim de cada temporada de derretimento”, referiu Jason Box, num email enviado ao PÚBLICO. “A situação de desequilíbrio é hoje real para a Gronelândia, uma que o clima do Árctico começou a aquecer nas últimas três décadas. Os reajustes do fluxo e da forma [do gelo] ainda não atingiram o equilíbrio.”

A partir do que observaram e do que mediram ao longo daqueles anos – em que os efeitos das alterações climáticas começaram a ser expressivos –, a equipa conseguiu inferir como vai ser a evolução das massas de gelo da Gronelândia até que se atinja um novo equilíbrio. No mínimo, aquela ilha terá de perder 3,3% do volume de gelo actual para voltar a estar em equilíbrio, o que equivale a uma subida do nível do mar de 27 centímetros.

“É gelo morto. Vai derreter e desaparecer da camada de gelo”, ilustrou, por seu lado, William Colgan, co-autor do estudo, também pertence à SGDG. “Este gelo será enviado para o oceano, independentemente do cenário climático que adoptemos agora”, disse numa conferência de imprensa, citado pela agência Lusa.

Janela temporal

No entanto, este é o cálculo conservador do que poderá vir a acontecer. Entre 2000 e 2019, houve anos de muito derretimento, como 2012 e 2019, e anos onde a neve derreteu pouco, como 2018. “Considerando o ano recente de 2019, onde houve uma perda de gelo extrema, e tomando-o como um ano representativo do clima médio que se vai sentir nas próximas décadas, nesse caso a Gronelândia estará comprometida com uma subida do nível do mar de 78 centímetros”, admite Jason Box.

Apesar de este método ter a grande vantagem de inferir um valor da subida do nível do mar a partir de dados que já foram observados, não consegue definir uma janela temporal exacta associada ao derretimento do gelo. “No entanto, as nossas observações sugerem que a maioria da subida do nível médio do mar que já está comprometido irá ocorrer neste século”, avisa o cientista.

Ainda que a Gronelândia seja uma fonte importantíssima de gelo para a subida do nível do mar, é preciso não esquecer que o cenário completo deste fenómeno terá de ter em conta a água proveniente dos glaciares das cadeias montanhosas dos continentes e, claro, do gelo da Antárctida. Portanto, o valor deste estudo será sempre um valor parcial da subida do nível do mar.

Um artigo de 2021 publicado na revista Nature Communications estimava que, até ao fim do século, uma subida hipotética do nível médio do mar de um metro iria afectar directamente 410 milhões de pessoas que vivem no litoral dos continentes, 72% delas nos trópicos e 59% nas regiões tropicais da Ásia.