Grande migração da borboleta-caveira foi seguida de avioneta durante mais de 80 quilómetros

Investigação usou um transmissor para seguir indivíduos da espécie Acherentia atropos no início da sua migração do Centro da Europa para o Mediterrâneo. Cientistas descobriram que insecto faz uma travessia recta e adapta-se à direcção dos ventos.

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As borboletas-caveira desta investigação foram criadas em cativeiro Christian Ziegler/Instituto Max Planck de Biologia Animal

As grandes migrações de insectos acontecem por todo o mundo. A borboleta-monarca, na América do Norte, é um dos casos mais icónicos. Mas há gafanhotos que viajam por África e colónias de abelhas na Tailândia que migram na época das monções. Na Europa, as borboletas-caveira partem da Europa Central em direcção ao Mediterrâneo, podendo só parar na África subsariana, em travessias de 4000 quilómetros. Uma equipa de investigadores usou transmissores de rádio de 0,2 gramas para seguir numa avioneta a viagem nocturna de 14 indivíduos daquela espécie. Uma das borboletas foi seguida ao longo de 89 quilómetros, uma distância de monitorização nunca antes feita para insectos, adianta um estudo publicado na revista Science.

Apesar de haver biliões de insectos a fazerem todos os anos grandes viagens pela Terra, há muito mais conhecimento científico acumulado sobre este tipo de comportamento nas aves e nos mamíferos. No caso dos insectos nocturnos, como o lepidóptero Acherintia atropos estudado nesta investigação (chamam-lhe borboleta-caveira devido ao padrão no dorso, junto à cabeça, que faz lembrar uma caveira), conhece-se ainda menos.

“O nosso objectivo era sermos capazes de seguir as borboletas-caveira durante a migração para compreender as rotas que fazem e como respondem às condições dos ventos”, explica ao PÚBLICO Myles Menz, primeiro autor do artigo da Universidade James Cook, em Townsville, na Austrália.

O cientista fez a investigação quando trabalhava no Instituto Max Planck de Biologia Animal, em Konstanz, no Sul da Alemanha, junto à fronteira com a Suíça, de onde foram libertadas as borboletas-caveira, criadas no laboratório. “Esta espécie é um óptimo sistema de estudo, já que sabemos como podemos criá-la e os indivíduos, sendo bastante grandes, podem carregar os transmissores de rádio”, refere.

As borboletas-caveira, que pertencem à família de mariposas Sphingidae​, chegam a pesar 3,5 gramas e alimentam-se de mel que retiram directamente de colmeias de abelhas. “As mariposas entram nas colmeias, perfuram a cera usando a sua forte probóscide e sugam o mel”, descreve Myles Menz. O seu ciclo de vida não é inteiramente conhecido. Mas, em linhas gerais, os indivíduos chegam à Europa, a norte dos Alpes, durante a Primavera, e reproduzem-se. Depois, no Outono iniciam a viagem de milhares de quilómetros até chegarem a territórios mais a sul, onde passam o Inverno, voltando no ano seguinte.

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Transmissor colocado na região dorsal da mariposa Christian Ziegler/Instituto Max Planck de Biologia Animal

A equipa de investigadores instalou os pequenos transmissores de rádio, de 0,2 gramas, na região dorsal de 14 indivíduos. Apesar de terem uma longa antena, os transmissores representavam menos do que 15% do peso dos lepidópteros e, por isso, eram suficientemente leves para os insectos os carregarem, adianta o cientista no comunicado de imprensa. Depois, em vários dias diferentes, foram libertando as borboletas-caveira após o anoitecer e seguiram o seu movimento a partir de uma avioneta.

“As borboletas-caveira foram seguidas com uma avioneta que tinha antenas de recepção nas asas da avioneta. Fomos capazes de detectar o sinal dos transmissores [dos insectos]”, conta Myles Menz. “Fazer o seguimento nocturno é bastante desafiador, mas funcionou muito bem.”

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Os dispositivos colocados nas mariposas tinham 0,2 gramas David Noton

Bússola interna

A migração das borboletas é feita ao longo de muitos dias, mas os insectos descansam pousados no solo durante o dia e só reiniciam a viagem na noite seguinte. No entanto, os cientistas só seguiram as mariposas na primeira noite, até elas pousarem. Para que pudessem continuar a monitorização, na noite do dia seguinte, seria necessário que a avioneta estivesse já no ar quando as borboletas-caveira voltassem a iniciar o voo, o que poderia acontecer a qualquer momento durante a noite. Essa dificuldade fez com que a equipa só monitorizasse os insectos durante a primeira noite.

Ainda assim, a avioneta fez percursos entre uma e 3,65 horas e distâncias médias de 62,7 quilómetros, sendo o percurso máximo de 89,6 quilómetros. A avioneta foi recolhendo informação sobre a posição dos indivíduos a cada cinco a 15 minutos. Das 14 borboletas-caveira, os investigadores obtiveram localizações detalhadas para sete indivíduos. A primeira grande constatação que fizeram é que estes lepidópteros mantêm a mesma direcção da viagem independentemente da direcção e força dos ventos.

“Um voo ao longo de trajectórias tão direitas mostra que as mariposas estão a manter activamente os seus caminhos de voo”, explica o investigador. “Este tipo de trajectórias rectas é também raro em animais que migram a longas distâncias.”

Por outro lado, a monitorização dos 14 indivíduos permitiu verificar que as características do voo mudam completamente consoante o tipo de vento que os insectos apanham na viagem. Quando o vento vem de frente, os insectos voam junto à terra, para ficarem mais protegidos, e aceleram o voo para conseguirem manter a direcção desejada. Quando o vento vem de trás, eles preferem voar a uma altitude mais alta e abrandam o bater de asas, deixando o vento fazer a maioria do trabalho. Se o vento os apanha de lado, então não só voam mais perto da terra, como também inclinam um pouco a cabeça para compensarem o sentido do vento e conseguirem avançar em direcção à geografia desejada.

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A rota de uma das borboletas-caveira, a partir de Konstanz, na Alemanha, em direcção aos Alpes Myles Menz/Instituto Max Planck de Biologia Animal

“Durante anos, assumiu-se que a migração dos insectos era fundamentalmente sobre serem soprados pelo vento. Mas nós mostramos que os insectos são capazes de ser grandes navegadores, estando a par das aves, e são muito menos vulneráveis às condições dos ventos do que pensávamos”, afirma Myles Menz, no comunicado.

A pergunta lançada por esta descoberta é como é que estes insectos sabem qual é a direcção certa a seguir durante estas viagens gigantes? “Para manterem caminhos tão direitos, as mariposas têm de estar a usar alguma bússola interna para as guiar”, responde-nos Myles Menz. “Nós avançamos com a hipótese de que esta bússola poderá ser visual ou magnética.” O próximo passo será tentar descobrir como funciona aquela bússola.