Agora, os golos valem todos o mesmo. É melhor assim?

A utilização dos golos marcados fora de casa como factor de desempate – coloquialmente chamados “golos a dobrar” – foi considerada obsoleta e abolida. Um ano depois, trouxe algo positivo ao futebol?

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A eliminatória entre Chelsea e Real Madrid, na Champions passada, decidiu-se só no prolongamento TONY OBRIEN

Num exercício de auto-elogio, a UEFA disse há algumas horas que o fim da regra dos golos fora como factor de desempate está a ser um sucesso. A base da conclusão do organismo de futebol era fraca e suportada numa frase de Frank de Boer, que falava, de forma genérica, de uma melhoria na atractividade dos jogos. Mas será mesmo assim?

O problema principal da UEFA com a regra antiga, dizia o próprio presidente Aleksander Ceferin, era a forma demasiado defensiva como as equipas da casa encaravam a primeira mão das eliminatórias.

Com receio de sofrerem um golo em casa, acabavam por contrariar o próprio princípio-base da regra instituída em 1965, cujos objectivos eram oferecer um sistema de desempate mais justo do que a moeda ao ar, promover futebol ofensivo das equipas visitantes e, sobretudo, premiar o mérito de marcar um golo fora de casa – nesse período da história, as viagens das equipas visitantes eram difíceis e os relvados da equipa visitada poderiam ser bem distantes do ideal, tal como as próprias bolas. Hoje em dia, a redução das dificuldades logísticas não justificava essa regra. O que aconteceu não é claro, mas dá alguns indicadores.

Cruzando dados do Zerozero e do Who Scored, o PÚBLICO comparou golos marcados, remates e % de tempo no meio campo adversário por parte das equipas da casa nas primeiras mãos das eliminatórias da Liga dos Campeões 2021/22 – o primeiro ano sem a regra considerada obsoleta.

Resultado: em 2021/22 houve mais golos marcados pelas equipas da casa e mais remates, ainda que sejam aumentos residuais e insuficientes para conclusões claras.

Mais evidente é a métrica da presença no terço ofensivo, que cresceu de 27,8% em 2020/21 para 31,57% em 2021/22. Insuficiente para conclusões definitivas? Talvez, até por ser apenas um ano de experiência. Mas este é um dado que dá algum suporte à conclusão da UEFA sobre não se justificar continuar a usar os golos fora de casa como factor de desempate – coloquialmente chamados “golos a dobrar”.

“Agora, um golo vale um golo”

Mas mais do que em estatísticas esta é uma questão que assenta, essencialmente, naquilo que os intervenientes sentem em campo. Leandro Morais, treinador que na época passada esteve com o Paços de Ferreira em eliminatórias europeias neste “novo futebol”, garante sentir, em geral, que “os jogos se tornaram mais abertos e ofensivos”.

E explica o motivo: “Antes, a equipa da casa tinha alguma cautela. Não diria medo, mas cautela. Sofrendo um golo, tinha uma desvantagem muito grande. Mesmo o público reagia de forma muito mais negativa a esse golo sofrido do que reage agora”.

Em geral, o treinador que tem acompanhado Jorge Simão crê que a alteração da regra tem todo o sentido. “Apesar de ainda só termos um ano com esta nova lógica, acho que já podemos ver alguns efeitos positivos. Até porque hoje em dia olhamos para os jogos fora como olhamos para os jogos em casa. Já não é tão difícil jogar fora, porque há maior conformidade nos relvados e na segurança, portanto a regra antiga não era muito justa”.

Esta é, de resto, uma ideia semelhante à de Augusto Inácio, que dizia ao PÚBLICO, antes de a regra ser abolida, que “essa regra acabou por ser um ‘pau de dois bicos’ e acabou por colocar as equipas da casa a defenderem mais”. “Jogam para não sofrerem golos. No fundo, não ganha quem melhor ataca, mas quem melhor defende. E um 0-0 em casa não é um mau resultado”, acrescentava.

E concluía de forma clara: “Não faz sentido ainda haver esta regra. Está obsoleta e o melhor seria aboli-la. As coisas têm de ser resolvidas em dois jogos. Se for preciso, joga-se prolongamento e/ou penáltis. Simples”.

“Já não é tão difícil jogar fora”

Actualmente, empatar 0-0 em casa na primeira mão de uma eliminatória já não é um resultado assim tão bom. E será que os treinadores passam aos jogadores a ideia de que podem ser mais ousados em casa?

Leandro Morais não vai tão longe, mas assume que existe algum impacto estratégico com a alteração do paradigma. “Não é uma coisa que se transmita assim aos jogadores, mas claro que acaba por ter impacto na estratégia. Agora, um golo passa a ser um golo e isso solta a equipa. Torna-se menos cautelosa e isso traduz-se na estratégia para o jogo, porque os treinadores sentem que podem mais facilmente recuperar desse golo sofrido”, defende o ex-treinador-adjunto do Paços.

Sobre o caso específico da aventura dos nortenhos na Liga Conferência 2021/22, o técnico diz que foram, de facto, bastante ofensivos no jogo caseiro com o Larne, mas não apenas pela mudança da regra do desempate.

“No caso do Larne até nem tanto, porque, com as condições do campo do jogo fora (sintético e mais pequeno), sabíamos que tínhamos de tentar resolver a eliminatória em casa. Quisemos atacar logo bastante”.

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