Aos cinco anos dizia que queria estudar baleias. Hoje as orcas são o centro do seu trabalho

Desde os cinco anos que Filipa Samarra anunciava que queria ser bióloga marinha e estudar baleias. Hoje é especialista em orcas na costa da Islândia - uma paixão que surgiu na universidade e que continua a entusiasmá-la, pelo tanto que ainda falta descobrir.

NFS Nuno Ferreira Santos - 07 Julho 2022 - ISLANDIA, Vestmannayejar - Filipa Samarra, biologa marinha, investigadora da Universidade da Islandia estuda as orcas da costa Islandesa no arquipelago de Vestmannayejar, as baleias (piloto, azul e de bossa) tambem comecam a fazer parte do seu trabalho - Reportagem com seis biologos (investigadores) portugueses que estao a trabalhar na Islandia nas areas da biodiversidade, ambiente e das alteracoes climaticas
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NFS Nuno Ferreira Santos - 07 Julho 2022 - ISLANDIA, Vestmannayejar - Filipa Samarra, biologa marinha, investigadora da Universidade da Islandia estuda as orcas da costa Islandesa no arquipelago de Vestmannayejar, as baleias (piloto, azul e de bossa) tambem comecam a fazer parte do seu trabalho - Reportagem com seis biologos (investigadores) portugueses que estao a trabalhar na Islandia nas areas da biodiversidade, ambiente e das alteracoes climaticas Nuno Ferreira Santos
NFS Nuno Ferreira Santos - 07 Julho 2022 - ISLANDIA, Vestmannayejar - Filipa Samarra, biologa marinha, investigadora da Universidade da Islandia estuda as orcas da costa Islandesa no arquipelago de Vestmannayejar, as baleias (piloto, azul e de bossa) tambem comecam a fazer parte do seu trabalho - Reportagem com seis biologos (investigadores) portugueses que estao a trabalhar na Islandia nas areas da biodiversidade, ambiente e das alteracoes climaticas - na foto, Baleias Beluga  no centro Beluga Whale Sanctuary
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NFS Nuno Ferreira Santos - 07 Julho 2022 - ISLANDIA, Vestmannayejar - Filipa Samarra, biologa marinha, investigadora da Universidade da Islandia estuda as orcas da costa Islandesa no arquipelago de Vestmannayejar, as baleias (piloto, azul e de bossa) tambem comecam a fazer parte do seu trabalho - Reportagem com seis biologos (investigadores) portugueses que estao a trabalhar na Islandia nas areas da biodiversidade, ambiente e das alteracoes climaticas - na foto, Baleias Beluga no centro Beluga Whale Sanctuary Nuno Ferreira Santos

O ferry é suficientemente grande para engolir dezenas de carros, autocaravanas e até camiões com contentores, pelo que a chuva e vento fortes não parecem afectar muito a sua navegação, entre a Islândia continental e o arquipélago de Vestmannayejar, onde nos vamos encontrar com Filipa Samarra. Partimos já com a certeza de que parte do nosso objectivo não vai ser cumprido - poder sair com a investigadora de barco, para tentar encontrar as orcas (Orcinus orca) que ela tem como alvo primordial de estudo. Para o dia seguinte, praticamente toda a Islândia está sob aviso amarelo, fustigada por uma ventania gelada que não permite sair para o mar. Não vamos, por isso, ver orcas, mas o entusiasmo da investigadora portuguesa por estes animais quase nos faz esquecer o desapontamento.

“Durante os três meses de Verão, sempre que possível, saímos para o mar. Seja a que dia for e a que hora for, mas hoje está muito mau tempo”, desculpa-se a bióloga, formada na Universidade dos Açores, que começou a visitar a Islândia em 2008, para estudar a comunicação das orcas que ali se encontram, no âmbito da tese de doutoramento que estava, então, a fazer na Escócia.

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Desde os cinco anos que Filipa Samarra anunciava que queria ser bióloga marinha e estudar baleias. Hoje é especialista em orcas na costa da Islândia - uma paixão que surgiu na universidade e que continua a entusiasmá-la, pelo tanto que ainda falta descobrir.

Patrícia Carvalho,Joana Bourgard,Nuno Ferreira Santos

“Seja a que horas for” é um conceito bastante comum no Verão islandês, onde o sol praticamente não se chega a pôr, nas regiões do Norte, e onde a luminosidade nunca chega a desaparecer, nas três horas entre o momento em que se põe e aquele em que nasce, mais a sul. Mas, neste dia, a hora pouco importa, porque o vento corre com tal velocidade que, perto dos penhascos no limite da ilha, parece capaz de nos atirar para fora dos trilhos, em direcção ao mar que, em contrapartida, vê a água atirada pelo ar, juntando-se à chuva que cai durante quase todo o dia.

Filipa Samarra recebe-nos, por isso, no centro de conhecimento da ilha, um edifício onde estão instalados os escritórios de várias instituições académicas, incluindo o dela, da Universidade da Islândia, onde trabalha. “Em 2008, estava à procura de um sítio onde pudesse fazer investigação sobre a comunicação de orcas e uma população que eu pudesse estudar e, embora não houvesse ninguém a trabalhar com orcas na Islândia, como havia algum trabalho anterior feito, pensei, vamos experimentar. Quando vim, encontrei imensas orcas e foi assim que começou”, recorda.

Nos primeiros anos, a investigadora dirigia-se à Islândia para fazer o trabalho de campo e regressava à Escócia, onde fazia a análise de dados recolhidos, mas há seis anos ela e o marido, um investigador holandês que também trabalha com baleias, mudaram-se definitivamente para a Islândia. Hoje, ambos trabalham na universidade do país.

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Em primeiro plano, o edifício onde Filipa Samarra tem a sua sala de trabalho Nuno Ferreira Santos
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São as várias as espécies de baleias que se encontram nas águas em torno da ilha Nuno Ferreira Santos

Natural da Bobadela (Loures), Filipa Samarra não consegue encontrar uma explicação para a sua paixão por cetáceos, mas ri-se, recordando que os pais sempre lhe disseram que tinha apenas cinco anos quando declarou que queria ser bióloga marinha e estudar baleias. “Eu via imensos documentários da BBC e gravava tudo. Os meus pais dizem que eu sabia tudo sobre baleias. Mas durante muito tempo não tive qualquer preferência por orcas”, conta.

Isso mudou quando surgiu a oportunidade de trabalhar com a acústica destes mamíferos, ainda na Escócia. “Foi quase instantâneo. Quando pus os phones nos ouvidos e ouvi a comunicação das orcas, fiquei apaixonada. E disse, ok, isto é espectacular, elas têm uma comunicação supercomplexa, fazem estes sons e preciso de perceber melhor porquê.”

A bióloga marinha ainda está longe de ter respostas para esta pergunta - “temos mais questões do que respostas” em relação às baleias, diz-nos dali a pouco -, mas não tem parado de as procurar. E para a ajudar está, por exemplo, o instrumento que segura agora nas mãos, entusiasmada: um hidrofone, com uma história que deixa o rosto de Filipa Samarra ainda mais sorridente.

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Os investigadores colocam aparelhos em algumas baleias que permitem segui-las e recolher uma série de dados essenciais Nuno Ferreira Santos

"Milagre” de Junho

O aparelho tinha sido colocado no fundo do mar, em Junho de 2019, para captar todos os sons em redor. Munido de algumas bóias, para flutuar no momento em que seria recuperado, os investigadores enviaram um sinal, que serve como ordem para que flutue até à superfície, permitindo a recolha de dados que gravou. Só que o sinal não funcionou e o aparelho não emergiu, levando Filipa Samarra e os colegas a acreditar que todos os dados que ele continha estavam perdidos. “Este Verão, no mesmo dia de Junho em que o tínhamos colocado no mar há dois anos, os colegas do santuário estavam a fazer uma acção de limpeza das praias do outro lado da ilha e encontraram várias bóias no meio das rochas. Reconheceram-nas como algo que nós usamos, aproximaram-se e encontraram o hidrofone. A probabilidade de isto acontecer é de um para um milhão”, diz.

O “santuário” a que a investigadora se refere é uma novidade da ilha e razão para as únicas baleias que vamos ver hoje - duas belugas (Delphinapterus leucas) que estão num aquário, no centro de visitantes no rés-do-chão do centro de conhecimento, mas que no final do Verão serão libertadas numa baía vedada da ilha, que será o primeiro santuário da espécie no mundo. Mesmo que as belugas não estejam incluídas nos seus estudos, Filipa Samarra não descarta que o possam ser no futuro - sobretudo ao nível da comunicação - e reconhece que a presença do centro de visitantes é uma boa montra para o trabalho que está a desenvolver, estando a preparar um painel informativo para ser ali colocado.

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As belugas vão viver até ao fim do Verão no mesmo edifício onde Filipa Samarra trabalha Nuno Ferreira Santos

Além dos hidrofones, a equipa de Filipa Samarra também coloca equipamentos com GPS e pequenas câmaras, capazes de seguir as movimentações das orcas, e recolhe amostras da pele e da camada de gordura dos animais, sempre que possível, para verificar, por exemplo, se se confirma que a alimentação das orcas islandesas é quase exclusivamente à base de arenque. Além disso, estão a actualizar um catálogo com todas as orcas identificadas na zona. “Na edição actual temos 432 baleias, mas na nova edição teremos perto de 600”, diz a investigadora, salientando que isto não significa, como pode parecer, que a população aumentou.

Como os investigadores só catalogam indivíduos com mais de um ano, podem estar a ser incluídos adultos que não foram contabilizados na edição anterior, embora não se exclua que haja novas adições aos grupos que por ali circulam. Seja como for, diz ela: “Com orcas, nunca houve um estudo tão prolongado como o nosso. Só agora é que estamos a chegar à longevidade suficiente do projecto para começarmos a ter dados suficientes para vermos alguns padrões a longo prazo, como a alteração da população.” O que significa que mais respostas podem surgir em breve.

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A investigadora portuguesa e os colegas estão a actualizar um catálogo sobre as orcas que procuram as águas locais Nuno Ferreira Santos
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Os investigadores reconhecem as orcas de Vestmannayejar por pormenores como a forma da barbatana dorsal Nuno Ferreira Santos

Novas interacções

Em Vestmannayejar, Filipa Samarra e os colegas não estudam apenas orcas. O trabalho inclui também baleias-piloto (Globicephala), a baleia-azul (Balaenoptera musculus) e as baleias-de-bossa (Megaptera novaeangliae). Foi graças ao trabalho que desenvolvem que se descobriu que as baleias-azuis se deslocavam para ali, já que até 2017 se acreditava que ficavam apenas mais a norte. E que foi possível perceber que, ao contrário do que se julgava, há “imensas baleias no Inverno” a permanecer nas imediações da ilha. Mas a espécie que mais a interessa, pela interacção que tem com as orcas, é a baleia-piloto.

“Antes de 2014 nunca detectamos baleias-piloto [nesta zona] e desde 2014 que isso acontece. É uma espécie que interage com as orcas e muitas vezes leva-as a abandonarem o peixe que estão a comer para fugirem, quase, das baleias-piloto. É uma interacção relativamente recente que estamos a observar aqui e pensamos que talvez possa ser a [mudança na] distribuição das presas, provocada pelas alterações climáticas, que leva as baleias-piloto a ocorrerem mais nesta zona do que o que costumava acontecer. É uma das coisas que estamos a estudar agora e a ver que consequências tem nas orcas o facto de terem de despender mais energia para fugirem das baleias-piloto, perdendo mais oportunidades de alimentação”, conta.

Também para o estudo das baleias, a Islândia acaba por ser uma espécie de laboratório vivo para os investigadores. “A Islândia é um sítio extremamente interessante, exactamente porque está no meio do Atlântico e tem influência de correntes frias que vêm do Árctico e correntes quentes que vêm de partes mais a sul do oceano. Portanto, é uma zona onde há imensa produtividade, mas que também é bastante afectada pelas alterações climáticas, alterações na temperatura das águas nesta zona e, consequentemente, dos animais que ocorrem aqui ou não. Já se fizeram outros estudos com outras espécies de baleias na Islândia onde se vêem alterações na distribuição, na abundância de certas espécies ao longo dos últimos anos, mas com orcas nunca houve um estudo tão prolongado como o nosso”, diz.

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É, por isso, na Islândia que a investigadora quer continuar, com o marido e os dois filhos que já nasceram ali. Seja no escritório, no mar ou no extremo da ilha, junto à pequena casa verde de madeira que serve de ponto de observação dos papagaios-do-mar (Fratercula). A maior colónia da Islândia nidifica nas costas rochosas de Vestmannayejar, atraindo, todos os anos, inúmeros turistas que ali se deslocam só para os verem. Até mesmo neste dia agreste de Verão, há quem enfrente o vendaval para poder espreitar pelas janelas voltadas para as falésias, na expectativa de os ver aterrar, com a boca cheia de peixe, directamente nas tocas escondidas entre a vegetação.

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Os papagais-do-mar atraem milhares de visitantes à ilha Nuno Ferreira Santos

Muitos desses visitantes desconhecem que aquele também é território de baleias. Mas é precisamente dali, no ponto em que, com boas condições, se vê toda a costa sul da ilha, que Filipa Samarra e os colegas procuram a presença das baleias no mar em frente, quando não podem sair para o mar. E mais respostas para tantas perguntas que continuam a ter. “Ainda temos muito para descobrir”, diz a investigadora.

Este trabalho integra um conjunto de reportagens realizadas com o apoio das EEA Grants.

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