As “piores eleições de sempre” no país das eleições turbulentas

Quase metade dos cidadãos elegíveis para votar na Papuásia-Nova Guiné não tinham o seu nome nos cadernos eleitorais por falta de actualização.

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A Papuásia-Nova Guiné é o terceiro maior país-ilha do mundo Jeremy Sutton-Hibbert/Reuters

Os analistas dividem-se: alguns consideram que as eleições de Julho na Papuásia-Nova Guiné foram as “piores de sempre” num país com um historial de eleições marcadas por violência, fraude, corrupção e processos eleitorais deficientes… Outros notam que, apesar de tudo, esta ida às urnas decorreu sem incidentes ou dramas em muitas partes no terceiro maior país-ilha do mundo, com mais de 460 mil quilómetros quadrados e 9 milhões de habitantes.

A votação realizou-se entre 4 e 22 de Julho e a contagem deveria ter sido finalizada até dia 29 do mês passado. No dia 9 de Agosto, com 99 dos 118 lugares do Parlamento de Port Moresby atribuídos, os deputados reuniram-se para eleger um primeiro-ministro. A escolha recaiu no líder do partido mais votado, o já primeiro-ministro James Marape, que elegeu 38 deputados – longe dos 57 necessários para formar um governo sozinho. Isso também não é novidade: como sempre no país da Oceânia, Marape terá de gerir uma coligação fragmentada, e espera-se que alguns dos 17 partidos e eleitos independentes acabem por se fundir com as maiores formações nos próximos meses. O que é mais raro é Marepe ter sido eleito por unanimidade.

A justificação para os que consideram estas eleições historicamente más é simples. Quase metade dos cidadãos elegíveis para votar não tinham o seu nome nos cadernos eleitorais por falta de actualização: Maholopa Laveil, professor de Economia na Universidade da Papuásia-Nova Guiné, que estuda as eleições no país, estima que um milhão de eleitores não tenham podido votar. “Muitos eleitores foram mandados para casa. Muitos candidatos ficaram zangados com isso e depois veio a violência”, descreveu, numa conversa com o jornal The Guardian.

Pelo menos 50 pessoas foram mortas e milhares deslocaram-se em fuga, a maioria mulheres e crianças, segundo as Nações Unidas. Algumas estimativas apontam para 200 mortos “relacionados com as eleições”, mas estes dados “são difíceis de medir num país em que a violência doméstica e violência entre grupos rivais é endémica”, nota o académico australiano Ron May, num artigo publicado no site de análise The Conversation.

Nas eleições de 2017, a violência eleitoral já provocara 200 mortes. Mas a verdade é que este ano houve vídeos e imagens de alguns incidentes dramáticos partilhadas repetidamente nas redes sociais, o que “sublinhou de forma muito evidente a gravidade da situação”, disse ao jornal The Guardian Bal Kama, natural da Papuásia-Nova Guiné e professor na Universidade de Camberra. Um massacre de 18 pessoas nas Terras Altas e um grupo de homens a atacar pessoas com machetes no exterior de um centro de contagem de votos em Port Moresby, a capital, deixaram a população aterrorizada.

O país é muito diverso, com cerca de 800 grupos linguísticos diferentes e há muitas questões antigas a dividir comunidades étnicas e culturais, questões que surgem com frequência a propósito das eleições. “Estas frustrações podem extravasar, pode haver desacordos individuais entre apoiantes de diferentes candidatos, e isso, por sua vez, relacionar-se com tensões e conflitos existentes dentro das comunidades e desencadear violência… e a violência escalar”, descreve Mihai Sora, investigador do Lowy Institute, da Austrália, ouvido também pelo Guardian.

“Hoje, quero confortar toda a gente na Papuásia-Nova Guiné, onde quer que estejam no país, como se mostrou e ficou reflectido no Parlamento, onde 100% dos membros apareceram para votar, a coligação foi bem-sucedida porque fomos a votos como parceiros”, disse Marape, garantindo que o seu partido não é “para uma região, uma família nem para uma pessoa”, mas “pertence ao país”.

Numa coisa os analistas estão de acordo: o seu Governo terá de fazer da reforma eleitoral uma prioridade, a caminho dos 50 anos da independência do país da Austrália, em 1975. “Esperávamos estar a progredir e esta violência… trouxe uma grande sombra a essas aspirações”, disse Kama. “O novo governo tem mesmo de pensar sobre como é que podemos avançar a partir de agora.”

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