Cooperativas de energia: as ricas do Norte e as pobres do Sul
A Coopérnico esteve este verão em Thessaloniki para participar na Escola de Verão de Comunidades de Energia nos Balcãs. Eram 150 pessoas – novos, média idade, na reforma, enfim, cidadãos – que querem começar comunidades de energia nos seus países e nas suas comunidades.
Todos os dias mais cidadãos por toda a Europa querem começar a produzir energia na sua comunidade e são já mais de um milhão os que pertencem, trabalham ou são voluntários numa comunidade de energia. Pode ser para vender à rede ou partilhar entre os vizinhos. O importante é que cada cidadão que participe na produção de mais energia nos vai tornar mais independentes, resilientes, ao mesmo tempo que nos ajuda a reduzirmos as emissões do setor elétrico. “Imaginem um sistema energético diferente, num modelo diferente, feito por pessoas para pessoas”: é o mote.
Mas como as comunidades de energia podem ser muita coisa, às tantas temos ainda dificuldade de perceber o que realmente são. Vamos andar um pouco para trás e falar das cooperativas de energia, o primeiro modelo de comunidades de energia que surgiu na Europa (Bélgica, Holanda, Dinamarca, Alemanha). Existem centenas de cooperativas de energia renovável, num movimento crescente desde o fim da Primeira Guerra Mundial, passando pela crise petrolífera da década de 1970. Estas cooperativas têm parques eólicos, têm parques fotovoltaicos, e têm faturação de milhões de euros. São empresas de energia, claro.
A diferença entre estas e as outras é que, no fim do ano, os proveitos são redistribuídos por todos os cidadãos que fazem parte das cooperativas. Os governos locais e nacionais destes países já perceberam que as cooperativas revertem mais benefícios às populações do que as empresas privadas e, por isso, apoiam estas cooperativas. Também já perceberam que, ao envolver os cidadãos na construção de novos parques eólicos ou fotovoltaicos, favorecem a aceitação popular pelos projetos de energia renovável.
Para isso construíram ativamente políticas que favorecem a participação cidadã no setor energético. O melhor exemplo vem da Holanda. No país das túlipas, todos os novos projetos de grande dimensão renovável, seja eólica ou solar, têm de garantir que pelo menos metade do investimento vem dos cidadãos. Na Bélgica, o próximo concurso para instalação de nova produção de eólica offshore no Mar do Norte de 3,5 GW vai favorecer consórcios que garantam que pelo menos 20% do investimento provém dos cidadãos. Estes são exemplos de políticas públicas que ativamente favorecem o envolvimento dos cidadãos no setor energético.
E nos países europeus do Sul o que temos? Portugal e Grécia têm poucas, quase nenhumas, cooperativas de energia renovável. A diferença entre o Norte e o Sul é abissal e os modelos governativos têm um peso neste fosso.
Temos governos que não acreditam nas cooperativas de energia no setor energético. Temos governos que defendem que as cooperativas de energia têm de entrar em concorrência direta com as grandes empresas do setor, quando as primeiras são empresas constituídas por cidadãos e não lucrativas e as outras trabalham para o lucro. Temos governos que repetem até se tornar verdade que os cidadãos não têm capacidade técnica (nem dinheiro!) para participar na produção de energia renovável. Mas alguém nos perguntou?
As cooperativas do Norte da Europa são ricas, mas, mais do que ricas em dinheiro, têm a grande vantagem de estar em países com modelos de governação abertos à participação de diferentes atores económicos com modelos diferentes. No Sul, estamos sempre a queixar-nos de sermos países pobres. Mas a nossa pobreza vai para além dos bolsos vazios. A nossa pobreza também está na falta de capacidade de perceber que o desenvolvimento económico e do setor de energia não tem de – não deve – estar apenas nas grandes empresas privadas. Tem de haver espaço para outros modelos empresariais. A nossa pobreza passa também pela falta de confiança nos cidadãos.
A Coopérnico, a primeira cooperativa de energia renovável portuguesa, “tem feito muito com o nosso enquadramento nacional legal desfavorável”, como nos dizem os nossos colegas belgas e alemães. Há oito anos que encontramos soluções para as barreiras que constantemente nos surgem pela frente. Reinventamo-nos todos os dias. Sabemos que é difícil ser os primeiros, mas fica aquela sensação de que com governos do Norte as cooperativas do Sul podiam ir (muito) mais longe.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico