Há médicos que já fizeram “650 horas extras” este ano. É “quase escravatura”
Bastonário da Ordem dos Médicos reuniu-se com internos da especialidade de ginecologia e obstetrícia esta terça-feira.
Há um hospital do país em que os médicos internos já fizeram “mais de 650 horas extraordinárias” desde o início deste ano. O exemplo foi dado esta terça-feira pelo bastonário da Ordem dos Médicos para ilustrar o que classificou como a situação de “quase escravatura” a que estes médicos estão sujeitos, à saída de uma reunião com internos da especialidade de ginecologia e obstetrícia.
Muitos destes médicos internos “estão a ser desviados para fazerem serviço de urgência em detrimento de estarem a fazer as suas consultas, as ecografias obstétricas”, criticou Miguel Guimarães, frisando que os profissionais estão a ser prejudicados na sua formação na especialidade e que esta pressão para fazerem tantas horas extras pode “pôr em causa” a sua continuidade no SNS. “Não podem continuar a ser escravos”, repetiu.
“Uma das médicas disse-nos que entre Janeiro e Agosto todos os internos do hospital onde trabalha fizeram mais de 650 horas extraordinárias”, especificou, sem revelar qual de que hospital se trata. Os médicos estão legalmente obrigados a fazer 150 horas extraordinárias por ano.
O bastonário sublinhou todos os hospitais representados na reunião têm “problemas complexos” e lembrou que não se circunscrevem à especialidade de ginecologia e obstetrícia. “Há problemas também no serviço de urgência geral, no bloco operatório, na pediatria”, elencou, adiantando que para a semana se vai reunir com internos da especialidade de medicina interna.
“Os médicos, em vez de estarem a protestar, a fazer manifestações e greves, estão a sair do SNS e o facto de haver muitos especialistas a sair do SNS é o sinal de alerta mais forte que existe”, sustentou, acrescentando que o que está em causa não é a falta de médicos, mas sim a dificuldade em captar e manter médicos no sector público.
Miguel Guimarães teme que os problemas continuem em Setembro e até se agravem nesse mês e antevê que persistam no Inverno, tendo em conta o crescente número de médicos que recusam fazer mais do que 150 horas extras por ano.
No início do mês, 110 internos de ginecologia e obstetrícia mandaram uma carta à ministra da Saúde avisando que entregariam escusas de responsabilidade sempre que as escalas das urgências estiverem incompletas e que se recusam a fazer mais horas extras além do limite previsto na lei, mas não obtiveram resposta, segundo a Ordem dos Médicos.
“Quando os médicos mostram preocupação em identificar as questões que estão menos bem e é necessário corrigir com urgência, não terem sequer uma sinalização da recepção da carta ou, mais grave ainda, não existir uma reunião [com a tutela] é lamentável”, considerou.
Que medidas são necessárias para resolver a situação? Miguel Guimarães reitera que são necessárias alterações estruturais, que passam pela revisão da carreira médica. “Para rever uma carreira, não são precisos meses, nem anos. É preciso motivação, interesse em resolver os problemas e andar para a frente. No fundo, é preciso fazer acontecer”, sintetizou.
Desde o encerramento de vários serviços por falta de médicos em número suficiente para completar as escalas até escusas de responsabilidade tornadas públicas por médicos de várias especialidades, a ministra Marta Temido tem sido confrontada com problemas em vários hospitais públicos.
Em 2021, realizaram-se perto de 21,9 milhões de horas extraordinárias no SNS. Um valor recorde e que representou um acréscimo de 26% face ao ano anterior, marcado pela chegada da covid-19, em Março, e que colocou os serviços de saúde sobre grande pressão.