Parvo que sou
A música dos Deolinda mostra que o país não melhorou para os jovens. Mas se a música continua fresca, onde está o descontentamento e os jovens? Se formos à procura deles provavelmente estão a assinar contrato lá fora, estão no aeroporto de malas e bagagens ou estão mesmo já a constituir família noutro ponto do globo.
Em 2022, será preciso os Deolinda nos darem uma nova versão ou os jovens já cá não estão?
Em 2011, os versos dos Deolinda na música Parva que sou entoaram nos Coliseus do Porto e de Lisboa, ressoaram nos pensamentos dos jovens portugueses e a resposta foi clara. A Geração à Rasca levou consigo o “…e parva eu não sou” para a rua e fez-se ouvir. As imagens das manifestações preencheram o cenário mediático dias a fio, e as vozes que expressaram todo o seu descontentamento nas ruas aumentaram a pressão ao governo.
Na altura eu era uma criança que assistia a tudo na televisão. Hoje, volvida mais de uma década, sou recém-licenciado, entrei no mercado de trabalho mas dou por mim a pensar que parvo que sou. Vejamos aquilo que mudou na letra de 2011.
Sou da geração sem remuneração
E nem me incomoda esta condição
Que parva que eu sou
Porque isto está mal e vai continuar
Já é uma sorte eu poder estagiar
Que parva que eu sou
E fico a pensar
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo
É preciso estudar
Segundo o estudo da Fundação Francisco Manuel do Santos, três em cada quatro jovens que trabalham ganham apenas até 950 euros. A inflação sobe, os custos da energia sobem e as rendas das casas teimam em não descer. Esta que é a geração mais qualificada de sempre, mas continuamos reféns de carreiras sem expectativas de progressão. A brutal carga fiscal sobre os salários constitui um esmagador travão a quaisquer perspectivas de futuro. Veja-se que um salário base de 2.700 euros custa à empresa 3.368 euros mas trabalhador leva para casa apenas 1.700 euros.
Na situação dos estágios nada mudou. A cultura de trabalho enraizada na sociedade portuguesa continua a olhar para os estágios como recursos fáceis e gratuitos, força de trabalho explorável e inesgotável. Os jovens que procuram trabalho debatem-se com as ofertas que existem: ou estágios não remunerados ou lugares que exigem cinco anos de experiência.
Sou da geração casinha dos pais
Se já tenho tudo, p'ra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, maridos, estou sempre a adiar
E ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou
A idade de saída de casa dos pais continuou a escalar desde 2011 e está agora nos 33,6 anos, a mais alta da União Europeia. Será que são os jovens que não querem sair ou cá fora não há condições? Nos grandes centros urbanos como Lisboa ou Porto onde ainda se concentram maior parte das oportunidades, as rendas trancam as fechaduras das possibilidades dos jovens. No interior a falta de oportunidades já é recorrente, mas também a habitação se começou a expressar como um problema.
Quanto aos planos e expectativas, o paradigma mudou e os jovens são agora muito mais atraídos pelas mudanças e oportunidades de carreira mais desafiantes. Ainda assim, o normativo carro-casa-casamento-filhos está mais do que adiado, está quase inacessível por todos os factores que já vimos até aqui. O IRS Jovem é uma boa medida, mas somados os problemas e divididas as responsabilidades, o que sobre para os jovens?
Afinal, percebe-se que a música dos Deolinda mostra que o país não melhorou para os jovens. Mas se a música continua fresca, onde está o descontentamento e os jovens? Se formos à procura deles provavelmente estão a assinar contrato lá fora, estão no aeroporto de malas e bagagens ou estão mesmo já a constituir família noutro ponto do globo. Com um sentimento de um país que desistiu deles, mas com a confiança de não desistir deles próprios. Porque parvos nós não somos.