O homem que quer reintroduzir os lobos na floresta escocesa
O sexagenário Paul Lister é o proprietário da Reserva Natural de Alladale, onde parte da floresta das Terras Altas escocesas está a ser reerguida. Para o conservacionista, a propriedade é quase aquilo que dá significado à sua vida.
“Sinto que estou numa estafeta de 4x100m. O problema é que, em vez de fazer parte de uma equipa de quatro elementos, estou sozinho. Ando aqui a correr de um lado para o outro e não tenho ninguém a quem passar o testemunho”, diz Paul Lister, proprietário da Reserva Natural de Alladale (Escócia), que em tempos já foi um terreno privado onde era possível proceder à caça desportiva de veados — e que, desde 2003, ano em que o agora sexagenário Paul a adquiriu, é uma propriedade onde a floresta está a ser replantada.
“Já fiz os primeiros três quartos da corrida. Está na hora de entregar o bastão à próxima pessoa. Preciso de ajuda. Tenho noção das minhas limitações e da minha vulnerabilidade.” Os breves segundos de silêncio que sucedem a esta última frase são interrompidos por uma gargalhada do britânico.
Paul Lister é, poder-se-á dizer, uma pessoa com as suas idiossincrasias. Não é preciso ter grandes capacidades de observação para perceber isso. Quando é hora de comer na pousada onde estamos hospedados, com amigos e conhecidos do anfitrião, este aplica um golpe suave sobre um gongo, estrategicamente colocado numa posição onde o som do instrumento chega com facilidade a todos os quartos. Grande amante de ténis, o filantropo e conservacionista não se importa de se ausentar da sala de refeições e interromper abruptamente a conversa que está a ter, se estiver a dar um jogo importante na televisão (e, em termos de calendário, a nossa estadia em Alladale coincide com a última semana do torneio de Wimbledon).
A sensação que dá é a de que o seu raciocínio está constantemente a disparar em múltiplas direcções. Há quem o descreva como uma pessoa “intensa”. Talvez seja uma referência à forma visivelmente apaixonada — e argumentativa — como fala daquilo em que acredita e que o move.
Desde há quase 20 anos, isso é sobretudo a Reserva Natural de Alladale, um terreno de 9300 hectares onde uma parte da floresta das Terras Altas escocesas está a ser reabilitada.
Paul comprou a propriedade num período de crise pessoal, depois de o pai, Noel Lister, ser acometido por uma doença repentina e séria. Noel, co-fundador de uma empresa de mobiliário que, durante vários anos, foi bastante bem-sucedida — a MFI, que cessaria em 2008 —, foi um empreendedor de sucesso e uma referência cujos passos Paul tentou, durante muito tempo, seguir. “Ele tentou fazer com que eu me interessasse por filantropia quando tinha 20 e poucos anos, mas, nessa altura, estava a tentar espelhá-lo. Estava a tentar mostrar-lhe que também conseguia fazer dinheiro”, diz o proprietário da reserva.
A doença de Noel fez Paul perceber, aos 40 anos, que não tinha jeito para o empreendedorismo e estava a viver uma vida “insignificante”. Em 2000, fundou a The European Nature Trust (TENT), organização que apoia financeiramente vários projectos de conservação da natureza — como por exemplo a Rewilding Portugal, que está a tentar reconstituir um corredor natural na bacia hidrográfica do rio Côa. Em 2003, usou parte do dinheiro da sua herança para adquirir o terreno que hoje é a Reserva Natural de Alladale, com o objectivo de devolver equilíbrio a um ecossistema que não o possui há muito tempo.
Isso tem implicado muita plantação de árvores e, também, o abate anual de qualquer coisa como 300 veados, que estão claramente em maioria num habitat onde faz falta uma espécie predadora, que ajude a manter o equilíbrio.
Um exemplo de uma espécie predadora é o lobo, que já não existe nas Terras Altas há alguns séculos (a caça levou ao desaparecimento do mamífero a nível local) e que Paul Lister pretende reintroduzir.
Na verdade, foi essencialmente para isso que o filantropo, inspirado pela famosa história da reintrodução do lobo no Parque Nacional de Yellowstone (Estados Unidos), comprou a propriedade em Alladale. O inglês não tem, contudo, sido capaz de explicar os benefícios da sua ideia àqueles que mais a questionam — desde os donos das propriedades contíguas, que, por serem os gestores de terrenos onde é possível proceder à caça desportiva de veados, não querem que a população destes animais fique menos numerosa, a pastores locais, que no fundo receiam que, uma vez reintroduzidos, os lobos comam as suas ovelhas.
“Não sou capaz de explicar as coisas às pessoas de forma simples. Preciso de alguém que me ajude”, diz Paul Lister. “Sou o comandante desta embarcação há 20 anos. Quero passar a ser um mero marujo.”
Embora o facto de ainda não ter conseguido promover a reintrodução do lobo na floresta escocesa o frustre ligeiramente, o inglês, que ainda passa a maior parte do ano em Londres (mas está desejoso de se mudar para Alladale), orgulha-se muito daquilo que já conseguiu fazer na reserva — que ele vê quase como aquilo que dá significado à sua vida. O conservacionista usa várias vezes a palavra “legado”. “Penso muito sobre mortalidade (estou a pensar neste momento). O nosso tempo aqui na Terra é limitado. Que legado vamos deixar? Quero que o meu legado seja este sítio.”
O PÚBLICO viajou a convite da Rewilding Portugal