Dez animais extintos nos últimos 100 anos graças aos humanos
Um rato extinto pelas alterações climáticas, uma espécie de salmão que não sobreviveu à carpa-comum e um sapo que se evaporou em apenas três anos são alguns dos exemplos de mundos desaparecidos no último século.
A história da extinção das espécies é tão antiga quanto a história da própria vida. Ao longo das eras, as espécies foram surgindo, ramificando-se, mas também desaparecendo. Se na maior parte do tempo os registos fósseis sugerem que o ritmo de extinção foi sendo mais ou menos homogéneo, houve momentos que cataclismos ou grandes mudanças climáticas determinaram extinções maciças que alteraram para sempre o rumo que a vida ia seguindo.
Com a chegada do Homo sapiens, há cerca de 300.000 anos, a história da vida (e da morte) na Terra poderá ter iniciado um novo momento de aceleração. É isso que muitos cientistas temem quando falam da sexta extinção em massa causada pelos humanos. Por todo o mundo, há registos do desaparecimento de animais contemporâneos com a chegada da nossa espécie a essas regiões. Infelizmente, essa tendência continua até hoje, acelerada pela poluição, destruição de habitats e alterações climáticas. Segundo a última versão da Lista Vermelha das Espécies da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), divulgada em Julho último, 41.459 das 147.517 espécies catalogados por aquele organismo estão em risco de extinção.
Neste artigo, escolhemos dez animais desaparecidos nos últimos cem anos. Alguns exemplos contam histórias repentinas de extinção, outras revelam processos que duraram séculos. Mas em todas a mão humana foi crucial: porque caçou, introduziu espécies invasoras ou poluiu. Embora individuais, vários destes casos iluminam processos maiores, de mundos ecológicos em degradação, que revelam o impacto que a humanidade está a ter no planeta.
Escinco-de-floresta-da-ilha-de-natal
O lagarto Gump morreu a 31 de Maio de 2014, este indivíduo em cativeiro foi o último representante da espécie Emoia nativitatis, endémica de Natal, uma ilha no Leste do oceano Índico que pertence à Austrália. A introdução de várias espécies invasivas, como a formiga Anoplolepis gracilipes e a serpente Lycodon capucinus parecem ter tido um papel nos processos “múltiplos e complexos” que contribuíram para a extinção do réptil, em que a mineração e a perda de território também fizeram parte, adianta o site da UICN.
Com cerca de 20 centímetros, o escinco Emoia nativitatis era um dos vários tipos de répteis daquela pequena ilha tropical de 135 quilómetros quadrados. O réptil caminhava pelo solo e era observado frequentemente nas clareiras da floresta, entre a folhagem em decomposição. Até à década de 1970, o réptil era abundante. Mas mais recentemente houve um declínio acentuado da espécie e em 2010 foram observados os últimos indivíduos na natureza. Em 2017, a UICN declarou este escinco extinto.
Rato de Bramble Cay
O habitat do rato de Bramble Cay era diminuto: uma língua de terra de 340 metros de comprimento por 150 metros de largura, com uma altitude máxima de três metros. Esse foi um factor determinante para o desaparecimento daquele roedor, que media cerca de 16 centímetros (mais uma cauda igualmente comprida). Mas a sua extinção, determinada em 2016, ficou conhecida por ter sido a primeira de uma espécie de mamífero causada pelas alterações climáticas.
Bramble Cay, que dá nome ao mamífero, é um pequeno recife de coral situado na extremidade norte da Grande Barreira de Coral da Austrália. Quando o capitão inglês Charles Bampfield Yule chegou ao recife, em 1845, a população de Melomys rubicola era abundante e alguns indivíduos foram caçados por divertimento pela tripulação, usando arcos e flechas. Uma estimativa da população, já de 1978, apontava para um número de indivíduos na ordem das centenas. Mas o cenário iria mudar. Em 1998, a população era de apenas 90 indivíduos, em 2004, de 12, e o último rato foi visto em 2009.
Um relatório do Governo australiano de 2019 sintetiza a causa daquele desaparecimento: “Os impactos do aumento do nível do mar induzidos pelas alterações climáticas de origem antropogénica, somados ao aumento na frequência e intensidade dos fenómenos meteorológicos que produzem marés de tempestade e níveis de água extremamente altos (…) foram muito provavelmente responsáveis pela extirpação da espécie.”
Sapo-dourado
Não existe uma conclusão definitiva sobre o que fez desaparecer o sapo-dourado (Incilius periglenes). Mas esse mistério não retira nenhuma força à impressionante história da sua extinção. Este pequeníssimo anfíbio, que media entre quatro e cinco centímetros, vivia na Reserva Biológica de Monteverde, na Costa Rica, no meio de uma floresta conhecida pelo nevoeiro recorrente, entre os 1400 e 1620 metros de altitude. Apesar de estar numa área protegida, os biólogos testemunharam o seu desaparecimento em apenas três anos.
O ano de 1987 foi o último em que houve indivíduos em números normais na época de reprodução. “O chão era muito escuro e os sapos-dourados apareciam como silhuetas que se assemelhavam a estatuetas”, recorda Alan Pounds, um ecologista da reserva, que falou recentemente à agência AFP sobre aquela espécie. Mas, na temporada seguinte, os biólogos só encontraram dez sapos prontos para se reproduzirem. Em 1989 só restava um macho. Desde então, nunca mais ninguém observou sapos-dourados e a espécie foi classificada como extinta em 2004.
O que aconteceu? É verdade que o habitat desta espécie era reduzido. Mas ainda não há certeza sobre o que matou o anfíbio. Alguns investigadores falam que a origem da mortandade foi uma temporada de El Niño mais forte do que o normal, outros argumentam que a responsabilidade é das alterações climáticas, que estavam a deixar a floresta mais seca. A terceira hipótese avançada é a quitridiomicose, uma doença causada por fungos que ataca a pele dos anfíbios e já levou ao declínio de centenas de espécies. Identificada na década de 1970, a doença já se alastrou por muitas regiões do mundo devido ao comércio e poderá ter ditado o fim do sapo-dourado.
Tritão-do-lago-de-yunan
O tritão-do-lago-de-yunan habitava o lago Kunming, os canais de irrigação e os lagos e pântanos adjacentes. O desaparecimento desta espécie (Cynops wolterstorffi) é explicado pela deterioração daquela grande massa de água, situada a 1900 metros de altitude, na província de Yunan, no Sudoeste da China. Ao longo da segunda metade do século XX, o lago Kunming sofreu uma contínua degradação ambiental, da qual ainda não recuperou, que fez desaparecer várias espécies. Aquele anfíbio, visto pela última vez em 1979, faz parte dessa história.
Com padrões pretos e laranjas, o tritão vivia nas águas pouco fundas do lago e reproduzia-se aí. Os ovos eram colocados nas plantas aquáticas. “A extinção desta espécie está relacionada com a destruição de habitat, a degradação resultante da poluição em geral, pelos aterros [de partes do lago], pela criação do pato doméstico e pela introdução de peixes exóticos e de espécies de rãs”, lê-se no site da UICN.
Gazela-saudita
Na década de 1980 a gazela-saudita já estava extinta na natureza. A única esperança seria a existência de alguns indivíduos em cativeiro. Mas um estudo genético de 2001 mostrava que os espécimes de Gazella saudiya que se pensava estar em cativeiro eram, afinal, híbridos ou então indivíduos que pertenciam a espécies próximas. Por isso, em 2008, a Lista Vermelha das espécies declarava aquele mamífero extinto.
Identificada em 1935, a gazela-saudita vivia na Península Arábica, com indivíduos avistados no Kuwait, na Arábia Saudita e no Iémen. Esta espécie “parece estar confinada àquelas partes do interior da península onde crescem acácias”, lê-se num texto do conservacionista irlandês Desmond Vesey-Fitzgerald, publicado em 1952 e com o título “A vida selvagem na Arábia”. “A sua geografia varia ao longo das grandes planícies de cascalho que ficam a leste das montanhas de Hejaz, mas [a gazela] é encontrada em pequenos grupos ou sozinha.”
Segundo a Lista Vermelha, a principal causa do declínio da espécie foi a caça em excesso. Sobre a actividade que atingiu esta e outras espécies de gazela da região, o artigo de Vesey-Fitzgerald tem algo a dizer: “Infelizmente, as gazelas são pateticamente fáceis de atropelar por carros e, se for possível manter uma velocidade de 50 quilómetros por hora, os animais caem passado muito pouco tempo. Quando existe uma paisagem acidentada, elas podem fugir por aí, mas nem sempre o fazem antes de serem atingidas por um disparo.”
Bicha-cadela-gigante-de-santa-helena
Para o universo dos insectos Dermaptera, a espécie de bicha-cadela (Labidura herculeana) que existia na ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, com oito centímetros de comprimento, era hercúlea (daí o seu nome). Endémica de Santa Helena, este insecto foi observado apenas na região Leste, mais árida, daquela ilha, já de si pequena.
A última vez que se encontraram indivíduos deste tipo de insecto foi em Maio de 1967. Pensa-se que a introdução de predadores na ilha como ratazanas, ratos, aranhas e a espécie de centopeia Scolopendra morsitans, tiveram um papel na extinção da Labidura herculeana. O uso de pedras existentes na paisagem para a construção também levou a mudanças importantes do habitat.
Ao longo das últimas décadas, foram feitas várias tentativas para se encontrar o insecto, mas só se descobriram vestígios de indivíduos, que poderão ter décadas. “A espécie é grande, carismática e tem um estatuto icónico na ilha. Apesar de ainda haver uma pequeníssima possibilidade de ainda poder persistir em alguma localização remota, as provas apontam para que a espécie esteja extinta”, segundo a UICN. Em 2014, a Labidura herculeana foi, de facto, declarada extinta.
Foca-monge-das-caraíbas
Os europeus encontraram a foca-monge-das-caraíbas (Neomonachus tropicalis) em 1494, durante a segunda viagem de Cristóvão Colombo às Américas, numa pequena ilha a sul da República Dominicana. As descrições contam que estas focas eram dóceis, não fugiam dos humanos e por isso eram fáceis de se caçar. Várias colónias foram identificadas na região das Caraíbas e do golfo do México. Naquela altura, estima-se que a população andasse entre os 233.000 e os 338.000 indivíduos. Mas o número rapidamente decresceu.
“A caça de focas-monge-das-caraíbas feita pelos europeus para se alimentarem iniciou-se com Colombo, e muitos animais foram mortos por essa razão nos séculos seguintes”, lê-se no site da UICN. A partir do século XVII, muitas focas foram mortas pelo seu óleo, usado para lubrificar a maquinaria das plantações de açúcar. Outros animais acabaram expostos em museus. “No final da década de 1880, a espécie já era rara”, refere a descrição.
Essa tendência continuou no século XX, ajudada pela sobreexploração dos recursos marinhos dos recifes, como peixes e moluscos, que serviam de alimento para a foca. Em 1945, a espécie foi colocada sob protecção legal na Jamaica. Mas o esforço veio tarde. Em 1952, foi a última vez que se confirmou o avistamento das focas: um pequeno grupo de mamíferos foi observado no banco de Serranilla, um conjunto de ilhotas formadas por corais, situadas entre a Jamaica e as Honduras. A espécie foi declarada extinta em 1994.
Truta-do-lago-sidi
No meio do Atlas Médio, uma cordilheira de montanhas no Norte de Marrocos, existe o lago Aguelmame Sidi Ali, que se alimenta das chuvas e do derretimento das neves que caem à volta. Até meados do século passado vivia uma espécie de truta endémica daquele lago, situado a mais de 2000 metros de altitude. A espécie Salmo pallaryi alimentava-se de pequenos crustáceos e a sua época de reprodução seria entre o fim do Verão e o início do Outono. Na década de 1930 introduziu-se no lago a carpa-comum – muito conhecida pelo seu uso como peixe ornamental. Nesses mesmos anos foi a última vez que se observaram as trutas. Suspeita-se, por isso, que a carpa tenha levado a truta à extinção devido à predação dos juvenis, ou à alteração dos lugares de desova da truta, ou à competição pelos recursos, ou ainda à combinação daqueles factores. Independentemente do que aconteceu, a truta-do-lago-sidi nunca mais foi vista ali.
Há relatos durante a década de 1940 da existência de uma subpopulação da espécie no lago Tiguelmamine, uma massa de água mais pequena e menos profunda situada a 35 quilómetros a sudoeste do Aguelmame Sidi Ali. “Este mantém-se o único relato existente para aquela localização [do lago Tiguelmamine], os indivíduos observados foram descritos como sendo muito pequenos e com deformidades físicas”, segundo o site da UICN. Pensa-se que aquela população tenha sido transportada do lago maior, mas esse é apenas mais um mistério sobre esta espécie, que provavelmente também ficará sem resposta. A espécie foi dada como extinta em 2006.
Tigre-da-tasmânia
Há planos para se ressuscitar o tigre-da-tasmânia. Famoso pelas fotografias e pelos vídeos que continuam a alimentar o seu imaginário, este mamífero marsupial (Thylacinus cynocephalus) foi dado como extinto em 1982. Apesar de várias pessoas terem dito que observaram tigres-da-tasmânia na natureza, a verdade é que o último membro realmente conhecido morreu no Jardim Zoológico de Hobart, na Tasmânia, em 1936. As imagens que chegaram até hoje mostram sempre os marsupiais enjaulados, apartados da sua liberdade.
Quando os europeus chegaram à Oceânia, encontraram o tigre-da-tasmânia apenas na Tasmânia. No entanto, pinturas rupestres na Austrália e na Nova Guiné documentam a existência passada do marsupial naquelas geografias, depois confirmada com a descoberta de vestígios antigos. Especula-se que a introdução do dingo, na Austrália, tenha sido a causa do seu desaparecimento ali.
O tigre-da-tasmânia era um predador de topo cuja morfologia evoluiu de uma forma semelhante à dos canídeos e dos felinos (incluindo o padrão de estrias na região dorsal perto da cauda), mas mantinha a bolsa marsupial, além de ter uma cauda rija. Na ilha da Tasmânia, o marsupial vivia na maioria dos habitats, excepto nas florestas mais densas, e caçava normalmente à noite. Com o estabelecimento dos europeus na ilha, o tigre-da-tasmânia acabou por ser responsabilizado pela morte das ovelhas e tornou-se o inimigo. O Governo da Tasmânia passou a oferecer uma libra por cada cabeça do marsupial caçado e estima-se que, entre 1830 e 1920, 3500 tigres-da-tasmânia tenham sido mortos, levando inevitavelmente ao seu desaparecimento. Alguns dos mamíferos eram também capturados para serem exibidos nos zoos. Em 1936, o marsupial passou a ser protegido pela lei da Tasmânia, uma medida tardia perante a gravidade da situação daquela espécie.
Nos últimos tempos, o tigre-da-tasmânia voltou a ser falado. Em 2017, sequenciou-se o genoma de um espécime guardado nos Museus Victoria, na Austrália. E a empresa de biotecnologia Colossal, do Texas, juntamente com a Universidade de Melbourne, na Austrália, anunciaram querer ressuscitar em dez anos o marsupial, com ajuda da engenharia genética. Fica, então, a pergunta se vamos voltar a ver o tigre-da-tasmânia no seu habitat natural. E também quão natural será esse habitat futuro?
Frango-de-água-do-taiti
A aguarela do frango-de-água-do-taiti, feita pelo naturalista alemão Georg Forster quando esteve no Taiti, é a única ilustração em primeira mão daquela espécie (Hypotaenidia pacifica). Pintada no início da década de 1770, durante a segunda viagem à volta da Terra do navegador inglês James Cook, a ilustração ficou por finalizar. Uma das patas da ave não ganhou a sua cor de carne, oferecendo à aguarela um tom esvaziado, como se atravessasse um processo de desaparecimento, semelhante ao que ocorreu à espécie na vida real.
Sabe-se pouco sobre o frango-de-água-do-taiti. Esta ave de 23 centímetros era abundante no século XVIII e XIX. Mas o facto de não voar tornou-a vulnerável aos predadores introduzidos, como os ratos e os gatos, que terão estado na origem do seu extermínio. No final do século XIX, a ave já não existia no Taiti. Os últimos avistamentos de indivíduos daquela espécie foram feitos noutra ilha do oceano Pacífico, Mehetia, situada 110 quilómetros a leste do Taiti, na década de 1930.