Gestão de emergência pós-fogo na serra da Estrela tem de começar já, dizem especialistas
Especialistas afirmam que a acção mais urgente é impedir que, com as chuvas, terras, pedras e cinzas desçam pelas encostas e provoquem a erosão do solo. Tal faz-se, dizem, com a própria madeira queimada e o trabalho deve incidir sobre as encostas.
O incêndio que devastou durante quase duas semanas a serra da Estrela e o seu parque natural foi dominado, mas há agora um trabalho que tem de “começar já”, uma gestão de emergência pós-fogo que impeça a erosão. Fogo foi considerado dominado na noite de quarta-feira.
Depois da extinção do incêndio, que terá afectado pelo menos um quarto do PNSE (20.000 hectares), como se gerem os terrenos afectados e que medidas devem ser tomadas de imediato? A Lusa questionou dois especialistas, ambos afirmando que a acção imediata, mais urgente, é impedir que, com as chuvas, terras, pedras e cinzas desçam pelas encostas e provoquem a erosão do solo. Tal faz-se, dizem, com a própria madeira queimada e o trabalho deve incidir sobre as encostas. E o rio Zêzere deve ser protegido.
Paulo Lucas, especialista em conservação da natureza e biodiversidade, dirigente da associação ambientalista Zero, explicou à Lusa que a estabilização de emergência se destina a criar condições para que quando chover não haja “uma erosão maciça”. “Há técnicas de engenharia natural para isso, barreiras. Isso tem de ser obrigatoriamente feito, a criação de ‘diques’, utilizando mesmo restos de árvores, para conter a erosão e recuperar as linhas de água”, exemplificou.
Para Domingos Patacho, engenheiro florestal e também dirigente de uma associação ambientalista, a Quercus, “nas encostas é preciso fazer contenção com estacaria à curva de nível, usando a madeira ardida, cortada, usando também folhagens e ramos, que formem resistência à passagem de água e impeçam que escorregue tudo (pedras, terras e cinzas) encosta abaixo”.
É preciso perceber, acrescentou Paulo Lucas, que estas áreas já arderam todas muitas vezes, que os solos são pobres (nas encostas) e que é preciso protegê-los, e evitar o arrastar de cinzas para as linhas de água. E depois é preciso apoiar a regeneração natural. Paulo Lucas disse que vão ser precisas mais árvores, uma “florestação de forma criteriosa”.
Árvores mais resistentes ao fogo
Domingos Patacho afirmou que se deve dar prioridade a árvores mais resistentes ao fogo, como o castanheiro ou o carvalho, como o freixo junto das linhas de água, acrescentando que se deve aprender com o incêndio e diversificar a floresta, não apostar só numa ou em duas espécies.
O PNSE é uma área de 89.000 hectares que abrange territórios dos concelhos de Celorico da Beira, Covilhã, Gouveia, Guarda, Manteigas e Seia.
Domingos Patacho estimou que possam ter ardido 20.000 hectares do parque e disse que haverá áreas, nomeadamente as zonas planas, onde vai haver uma regeneração natural já no próximo Inverno e que podem ser geridas dentro de um ou dois anos.
E há as outras, as encostas, pobres, onde as árvores seguravam as terras, onde as árvores são agora cinzas e onde as cinzas podem descer com a água, podem ir parar ao rio Zêzere, chegar mesmo a Castelo de Bode, à barragem que fornece água a três milhões de pessoas. É nessa terra que nascem as árvores, é nela que é preciso manter vegetação, observou.
Domingos Patacho, reafirmando que se trata de um trabalho que tem de começar já, sem esperar por “candidaturas aprovadas”, entende que é imperioso que no futuro próximo se leve vegetação, nomeadamente folhosas, ao PNSE. E no futuro, contrapôs Paulo Lucas, é preciso também garantir um nível mais baixo de incêndios, porque como actualmente não há “território que resista”.
“Se arde de 10 em 10 anos não vamos ter floresta, vamos ter matos e eucaliptais, porque o pinhal vai desaparecer e o carvalhal, se não for auxiliado, vai demorar muitas décadas a surgir”. E há ainda o perigo, segundo Paulo Lucas, de serem espécies invasoras a surgir nos terrenos ardidos. É um futuro “terrível” se de cinco em cinco anos arderem 80 mil hectares.
Apoio aos produtores
E de um futuro mais próximo, mas também “terrível” fala Domingos Patacho, do futuro do queijo da serra da Estrela, do futuro dos pastores, porque mesmo que chova “faltam seis meses para haver erva”.
Na quinta-feira o presidente da Estrelacoop - Cooperativa de Produtores de Queijo da Serra da Estrela, já disse que “obrigatoriamente”, vai ter de haver uma valorização do preço do leite das ovelhas bordaleiras, a principal raça ovina leiteira de Portugal. E alguns pastores vão receber palha e ração para alimentar as ovelhas.
A associação cultural Amigos da Serra da Estrela já veio dizer também que é urgente “identificar as zonas de elevado risco de erosão e danos físicos e materiais” e fazer barreiras com material lenhoso. “Importa, pois, que as entidades com responsabilidades nesta área (ICNF, Câmaras Municipais, baldios, Juntas de Freguesia, entre outros) reúnam e manifestem abertura ao apoio de que a nossa associação pode dar”, disse a associação.
O director regional adjunto do Centro do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Elmano Silva, assumiu na semana passada que a “prioridade” pós-incêndio na serra da Estrela será a recuperação do ecossistema do Parque Natural. A Lusa questionou esta sexta-feira o ICNF sobre que medidas vão de imediato ser tomadas para evitar a erosão e regenerar o PNSE. Não obteve qualquer resposta em tempo útil.