Scholz volta a negar que tenha cometido irregularidades no caso “Cum-Ex”
Chanceler alemão diz não se lembrar de encontros com banqueiro envolvido em fraude fiscal no valor de milhões de euros.
O chanceler alemão, Olaf Scholz, voltou a dizer que não teve qualquer papel no chamado escândalo “Cum-Ex”, um esquema de fraude fiscal em massa que lesou o Estado em milhões de euros, numa comissão de inquérito parlamentar da cidade-estado de Hamburgo.
“Não tive qualquer influência nos procedimentos fiscais do [Banco] Warburg”, declarou Scholz.“Não há a menor indicação de que tenha dado quais garantias” no processo, sublinhou.
Um dos donos do Banco Warburg, Christian Olearius, disse que Scholz, então presidente da câmara de Hamburgo, lhe tinha falado de um modo possível de evitar a devolução de 47 milhões em benefícios fiscais que tinha recebido irregularmente.
Primeiro o caso foi considerado prescrito pelas autoridades fiscais de Hamburgo, mas o banco acabou por ter de devolver a quantia sob pressão do Governo nacional, então liderado por Angela Merkel.
A manobra que permitiu enormes lucros indevidos foi feita em grande escala, envolvendo potencialmente centenas de bancos e instituições financeiras europeias e alemãs. Consistia em trocar rapidamente acções entre vários titulares, causando assim confusão sobre quem as detinha, e conseguindo que várias entidades reclamassem para si o que deveria ser um único pagamento de benefício fiscal.
Scholz é suspeito de ter influenciado o processo para que o banco não tivesse de devolver as verbas, o que tem negado. E tem repetido que nenhuma das investigações até agora encontrou um indício que o tivesse feito. Nenhum político foi acusado, apenas banqueiros estão a responder em tribunal.
O chanceler é ainda suspeito de ter mentido no Parlamento quando foi ouvido e disse que não se lembrava de nada de qualquer destes encontros. Em declarações à Deutsche Welle, o jornalista de investigação Oliver Schröm, que está prestes a publicar um livro sobre Scholz e este caso, disse que numa comissão parlamentar à porta fechada em 2020, Scholz, então ministro das Finanças, falou do encontro com Olearius, mencionando partes da conversa. Agora, diz não se lembrar.
“Não está a dizer a verdade, ou está mesmo a mentir”, acusou Schröm, acrescentando esperar que Scholz “explicasse esta contradição” na audiência desta sexta-feira.
Fabio de Masi, perito em criminalidade financeira, que foi deputado do partido de esquerda radical Die Linke e que esteve nas sessões à porta fechada, diz não poder falar sobre o que ouviu mas cita os relatos nos media segundo os quais Scholz começou por dar informações sobre uma reunião com Olearius e depois disse não se lembrar. Ou seja, “é claro que não disse a verdade”, acusou, concluindo, citado pelo jornal Frankfurter Rundschau: “não podemos dar-nos ao luxo de ter um chanceler Pinóquio”.
O escândalo voltou a ganhar vida na semana passada, quando veio a público que estavam a ser investigados emails da chefe de gabinete de Scholz sobre as reuniões com Olearius, e ainda quando se descobriu que um político do SPD de Hamburgo, Johannes Kahrs, tinha cerca de 200 mil euros num cofre num banco – não é ainda claro se poderão ter a ver com este caso.
Os emails e o calendário de Scholz têm discrepâncias, o que sugere que possa ter havido informação apagada, segundo um relatório da procuradora citado pela revista Der Spiegel. Scholz poderá ser chamado uma terceira vez, disse o representante da oposição na comissão, Richard Seelmaecker, da CDU (União Democrata-Cristã).
SPD em queda
Scholz é conhecido pela sua memória para detalhes, por isso a sua afirmação de que não se lembra dos encontros tem sido vista com cepticismo.
O escândalo surge numa altura em que as sondagens mostram uma descida do seu Partido Social-Democrata (SPD) nas sondagens e uma subida dos Verdes: o vice-chanceler e ministro da Economia, Robert Habeck, é o mais popular do país, e tem sido elogiado pelo modo como tem gerido a sua pasta, incluindo a potencial crise do gás.
Já a Scholz têm sido apontadas dificuldades de comunicação, desde o dia em que usou uma questão semântica para evitar responder a uma jornalista da Deutsche Welle sobre a Ucrânia, até à falta de resposta ao presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, quando este acusou, ao seu lado, Israel de 50 Holocaustos (o porta-voz de Scholz assumiu a culpa por ter encerrado a conferência de imprensa sem dar oportunidade ao chanceler para responder, Scholz respondeu mais tarde criticando a relativização do Holocausto: o representante diplomático da Autoridade Palestiniana foi chamado para protesto).
O SPD desceu bastante nas sondagens desde a eleição, em Setembro de 2021, quando obteve 25,7% dos votos, para ter à volta de 18-19% das intenções de voto nas três sondagens desta semana. Os Verdes subiram para entre 22-25% nestas sondagens (muito mais do que os 14,8% na votação do ano passado), ficando perto da CDU com 26-28% (teve 24,1% nas eleições). O Partido Liberal-Democrata, do ministro das Finanças, Christian Lindner, obteve 11,5% nas eleições e caiu para valores entre 6 a 8% nestas sondagens.