Em tempo de escassez Beja não é exemplo na utilização dos recursos hídricos
Um elevado volume de água desperdiçado na rega dos jardins é diariamente lançado na rede pluvial por aspersores desregulados e por vezes nas horas de maior calor
As observações de cidadãos são inevitáveis quando se deparam com a formação de pequenos riachos que correm nas valetas de ruas asfaltadas, para a água, sem qualquer préstimo, acabar desperdiçada na rede pluvial. Em Beja, gasta-se água a regar os espaços arrelvados das zonas verdes, quando em concelhos vizinhos há povoações nos concelhos de Aljustrel, Mértola e Moura que já estão, há meses, a ser abastecidas por autotanque.
Noutros concelhos, como o de Castro Verde, o município pediu à população, no início Fevereiro, para começar a poupar nos consumos. E numa decisão dos últimos dias, “reduziu em 50% o número de regas na generalidade dos espaços verdes”, recorrendo a água não tratada, adoptando “uma atitude mais vigilante no controlo de gastos exagerados”, realça a informação municipal nas suas campanhas de sensibilização. Este concelho é abastecido de água para consumo humano a partir da barragem do Monte da Rocha, que apresenta uma reserva de água em ponto crítico, de apenas 10% da sua capacidade máxima de enchimento.
No entanto, no concelho de Beja, apesar da Empresa Municipal de Água e Saneamento (EMAS) se ter associado, “no âmbito da sua responsabilidade ambiental”, à campanha de sensibilização “Vamos fechar a torneira à seca”, este desiderato está por cumprir por parte desta entidade.
A EMAS, entidade gestora de água para consumo humano em baixa do município, comprometeu-se a “disseminar”, junto dos consumidores, informações que possam contribuir para a “mudança de comportamentos no uso eficiente” dos recursos hídricos. Mas as perdas são uma constante na rega dos espaços verdes. O “chuveirinho” dos aspersores que lançam boa parte da água que debitam para caminhos de terra batida, como no Jardim Público, ou nas artérias empedradas ou asfaltadas junto ao Parque Urbano da cidade, contrariam o objectivo da campanha de sensibilização.
A opção por preencher os espaços verdes com zonas arrelvadas, em detrimento de espécies arbustivas menos consumidoras de água, tornou-se a opção recorrente na composição dos espaços verdes, numa região onde as alterações climáticas se estão a revelar com maior severidade.
O presidente da Câmara de Beja, Paulo Arsénio, instado pelo PÚBLICO a explicar os gastos excessivos de água na rega de espaços verdes, confirmou a evidência na última reunião do executivo municipal, a 10 de Agosto. Para superar o desperdício de água, a autarquia está a elaborar projectos com outra configuração para as zonas ajardinadas. O autarca garante que “os arrelvamentos serão muito reduzidos”, embora não acabem “de todo”, tendo em conta, ainda, o facto de a EMAS ter de pagar a água que gasta “a um preço superior ao que é pago pelos outros consumidores” salienta.
Uns poupam, outros gastam
Em paralelo com o desperdício de água na rega dos espaços verdes, destaca-se outro pormenor que mereceu críticas contundentes de Jacinto Faleiro, natural de Mértola mas residente em Almada. Vinha acompanhado da esposa e de um casal amigo, todos reformados, quando observou surpreendido a cascata do Parque Urbano da cidade de Beja, a lançar uma cortina de água em catadupa num lago com cerca de um hectare de superfície: “Tenho grande dificuldade em aceitar o contraste entre um concelho onde a água escasseia [Mértola] e aqui, em Beja, onde vejo a água a jorrar com se fosse abundante.”
A concepção do parque pertence a um contexto que decorreu entre 2002 e 2005, em que se vivia a euforia da água em abundância vinda do Alqueva que iniciara o enchimento da sua albufeira. Na sua envolvente, procedeu-se ao arrelvamento massivo do espaço, que hoje obriga a um exorbitante consumo de água para a rega e também de energia com o intuito de proporcionar aos visitantes de Beja e aos seus residentes, uma imponente cascata, numa alegoria a um recurso que sempre fora escasso no Alentejo.
De acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), 45% do território português e quase totalidade do Baixo Alentejo encontrava-se, no final de Julho, em seca extrema. E, nas próximas semanas, as previsões “não são positivas” do ponto de vista da precipitação, antecipou Miguel Miranda, presidente do IPMA, após reunião que manteve na passada terça-feira com os ministros do Ambiente e da Agricultura. Provavelmente, o mês de Setembro será um pouco mais seco e um pouco mais quente”, o que poderá vir a agravar ainda mais as consequências da escassez de recursos hídricos no Alentejo.
Nas regiões fronteiriças espanholas de Extremadura e Andaluzia a seca persistente deixou os reservatórios a cerca de um quarto da sua capacidade total. As autoridades destas regiões autónomas aguardam por um Outono e um Inverno de forte pluviosidade para impedir o desastre ambiental, económico e social que se prevê crítico. É destas duas regiões que é enviado cerca de 70% do volume de água que corre no rio Guadiana para a albufeira do Alqueva.