Resistência ucraniana quer mostrar “aos ocupantes que não podem dormir descansados”

Acções de sabotagem e ataques dentro de zonas ocupadas pela Rússia estão mais visíveis. Duas explosões na Crimeia mostraram alcance das forças ucranianas.

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Polícia e ambulâncias respondem a explosão de terça-feira na Crimeia Reuters

O treino começou há muito, ainda antes da invasão de 24 de Fevereiro, quando a deslocação de tropas russas para perto da fronteira ucraniana fazia pensar numa invasão, embora muitos não levassem a sério a ameaça.

A ideia era que estas pessoas aprendessem técnicas para mais tarde conseguirem entrar e sair de locais controlados pela Rússia, para aí levar a cabo acções de sabotagem, recolhendo informação, planeando e executando ataques pondo, por exemplo, explosivos em diversos alvos.

O diário norte-americano The New York Times entrevistou um elemento de uma destas células de resistência, notando que a entrevista foi combinada numa altura que as autoridades ucranianas parecem reconhecer mais a actividade destas unidades – suspeita-se, embora não se saiba ainda, que possa ter sido uma sabotagem destas a causa de uma explosão na Crimeia na semana passada, que destruiu pelo menos oito caças russos, num golpe não só material, mas também à autoconfiança da Rússia, nota o professor de Estudos de Guerra no King’s College de Londres Lawrence Freedman.

Num artigo escrito ainda antes do segundo ataque a atingir a Crimeia, nesta terça-feira, já Freedman dizia que a actividade da resistência dentro dos territórios ocupados estava a aumentar e a contribuir “para que os militares russos não possam deslocar-se” das zonas que ocupam para atacar mais longe, e ainda aumenta “a sua ansiedade”.

Um dos elementos destas células de resistência disse ao Times que “o objectivo é mostrar aos ocupantes que não estão em casa, que não devem acomodar-se, que não devem dormir descansados”.

Palavras que pareciam ecoar as de Mykhailo Podolyak, um dos principais conselheiros do Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que afirmou que a estratégia de Kiev “é destruir a logística, as linhas de abastecimento e os depósitos de munições e outra infra-estrutura militar. É criar o caos dentro das forças deles.”

Na terça-feira à noite, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, alertou quem vive em zonas ocupadas para se manterem longe de instalações militares russas, sugerindo que vai haver mais ataques.

Na explosão desta semana, que atingiu um depósito de munições, mencionava-se a hipótese de ter sido acção de uma unidade de elite. De qualquer modo, marca uma viragem no conflito ao atingir a Crimeia – a “jóia da coroa” de Putin, cuja anexação em 2014 é um dos pontos altos da sua Presidência.

A semana passada foram divulgadas imagens de filas de trânsito de pessoas que estariam a tentar sair da Crimeia, incluindo na ponte Kerch, que liga a península ao território russo de Krasnodar. O conselheiro de Zelensky disse que a ponte “é um alvo militar legítimo” e que “deve ser destruída”.

A Rússia tinha, no mês passado, apresentado qualquer tentativa da Ucrânia retomar o controlo da Crimeia como merecedora de uma retaliação de “Dia de Juízo Final”. Até agora, a reacção mais visível da Rússia foi substituir o comandante da frota do Mar Negro que tem sede na Crimeia, segundo a agência russa RIA.

Enquanto isso, foi também registada uma explosão na zona de Kherson que terá deixado 12 soldados russos mortos, disseram esta quarta-feira fontes ucranianas.

Os alvos das células da resistência (que têm pouco contacto entre si para não aumentar o risco de divulgação de informações caso sejam apanhadas pelos russos) são não apenas russos mas também colaboracionistas ucranianos.

O membro da resistência entrevistado pelo Times está em Zaporijjia, a 65 km de Melitopol, a cidade controlada pela Rússia onde opera, conta que uma das acções de uma equipa – em que não participou – foi pôr explosivos debaixo do carro de um ucraniano que se juntou ao partido Rússia Unida em Melitopol. O ucraniano ficou ferido. Mas o mais importante não é se o atacado vive ou morre, disse o resistente, mas sim deixar uma mensagem: “Nunca estarás seguro.”

Com a aproximação do ano lectivo, os professores que dêem aulas segundo o modelo russo nas zonas ocupadas também vão estar na mira destas forças. O combatente garantiu que não haverá ataques físicos, apenas de “guerrilha psicológica”, com “humilhação pública”, pondo os nomes e fotos de quem der aulas em postes de iluminação com ameaças.

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