A época de furacões do Atlântico está a começar cada vez mais cedo

Cientistas defendem que o início desta estação devia ser antecipado para 15 de Maio, pois primeira tempestade do ano na bacia atlântica está a acontecer cinco dias mais cedo a cada década que passa, desde 1979.

Foto
Furacão Lorenzo, que em 2019 chegou aos Açores NASA

A época de furacões do Atlântico Norte começa oficialmente a 1 de Junho e termina a 30 de Novembro, mas cientistas que estudaram ao pormenor o que se passou desde 1979, quando começaram as primeiras observações por satélite, e também registos históricos, concluíram que a primeira tempestade do ano nesta bacia está a acontecer cinco dias mais cedo a cada década que passa.

A recomendação do estudo publicado na revista Nature Communications nesta terça-feira é a de que autoridades deveriam reavaliar as datas da época de furacões do Atlântico Norte. “Esta investigação fundamenta a possibilidade de rever os limites da época operacional de furacões no Atlântico para potencialmente incluir porções do mês de Maio”, escreve a equipa. O ano de 2021 foi o sétimo seguido em que houve estas tempestades antes da estação – 2022 está a ser mais calmo, apesar de se prever que se podem intensificar.

O conceito de “época de furacões” não tem uma definição precisa, diz o artigo. “Foi criado em 1965 para tentar captar a vasta maioria das formações de ciclones tropicais na bacia do Atlântico Norte, reflectindo um forte pico sazonal da actividade.” O que os cientistas propõem é defini-la melhor, com base em observações e registos históricos.

“O nosso estudo encontrou tendências de longo prazo para datas de início mais precoces da estação dos furacões”, explicou ao PÚBLICO, por email, o primeiro autor deste artigo, Ryan Truchelut, de uma empresa de consultoria chamada Weather Tiger, de Tallahassee, na Florida, que presta serviços de meteorologia forense.

A meteorologia forense determina as condições meteorológicas de determinada localização, em determinado momento, através do estudo de arquivos, de dados de satélite e de radar, e previsões oficiais, explica o site da Weather Tiger. Estes dados podem ser cruciais quando se pretende accionar o seguro da casa, ou do carro, no caso de haver um desastre natural – como um furacão.

“Baseámo-nos nos registos das primeiras tempestades no Atlântico de cada ano que são baptizadas, bem como nas primeiras tempestades com nome que chegam a terra nos Estados Unidos e na energia acumulada do ciclone em todo o território norte-americano. A análise de todos estes métodos sugere-nos que a estação deve ser definida objectivamente a começar a 15 de Maio, com base nos últimos 50 anos de dados”, afirmou Truchelut.

Foto
O furacão Irma, em Miami, Estados Unidos, em 2017 Carlos Barria/REUTERS

“A definição de ‘época dos furacões’ devia envolver considerações adicionais, como uma estratégia de comunicação pública, mitigação do risco e actividades de gestão de emergências, para determinar onde é que se deve traçar a linha-limite”, explicou o meteorologista.

Águas quentes

Mas o que é que está a causar este adiantamento da época dos furacões? “Os desvios identificados no nosso estudo estão a acontecer por causa de um ambiente mais favorável para a formação de ciclones tropicais no Atlântico Ocidental, no Golfo do México e no Oeste das Caraíbas no final da Primavera”, diz Ryan Truchelut. O mecanismo responsável é o aumento da temperatura das águas à superfície do oceano, resultante do aquecimento global, dizem os cientistas.

“A origem destas mudanças ambientais é quase exclusivamente a subida da temperatura da água do oceano nesta região, e não outras mudanças, por exemplo ao nível do gradiente vertical da velocidade do vento e da humidade existente na atmosfera”, diz Truchelut.

É preciso saber que os ciclones (ou furacões, como são chamados na bacia do Atlântico) se formam quando a água do oceano à superfície tem uma temperatura igual ou superior a 27 graus Celsius e há um elevado índice de evaporação, o que produz muita humidade. Isto provoca uma acumulação de nuvens na camada mais baixa da atmosfera, criando uma baixa pressão atmosférica. O ar começa a subir rapidamente e o ar frio da camada superior da atmosfera começa a descer pelo centro da tempestade.

Estes ventos com sentidos contrários criam uma tempestade que gira sobre si própria, com ventos de pelo menos 120 quilómetros por hora. À medida que o furacão se movimenta sobre o mar, alimenta-se de mais vapor de água e continua a crescer. Quando chega a terra, perde força.

“A estação dos furacões tem começado mais cedo nas últimas décadas, porque o Atlântico Ocidental atinge o limiar de temperatura mais cedo para permitir a existência de convecção [o tal movimento ascendente ou descendente de ar] e a de tempestades na atmosfera tropical”, adianta Truchelut.

Aparentemente, não há alterações nas trajectórias ou intensidade das tempestades que se formam mais cedo, diz o meteorologista. “Não parecem haver mudanças significativas no local onde se desenvolvem estas tempestades pré-estação, em relação aos registos históricos”, diz Ryan Truchelut. Nesta perspectiva, o furacão Lorenzo, que em 2019 chegou aos Açores e destruiu o porto da ilha das Flores, permanecerá um acaso.

O meteorologista nota ainda que os maiores riscos não são de que se formem poderosos furacões mais cedo embora haja estudos que digam que estas tempestades estão a tornar-se mais intensas. “Estas tempestades pré-estação são normalmente mais fracas e só excepcionalmente se tornam um furacão de grande intensidade (categoria 3 ou superior). Mas estes sistemas de tempestades fracos (em termos de vento) podem provocar chuvas muito intensas, e estas são o principal risco da actividade dos ciclones tropicais no Atlântico Ocidental de Maio até ao início de Junho”, explica.