Há muito que a dúvida não passava por saber que equipa ia ganhar a 83.ª Volta a Portugal, mas somente qual seria o nome que a Glassdrive/Q8/Anicolor ia colocar no primeiro lugar do pódio no final da 10.ª etapa. Frederico Figueiredo ou Mauricio Moreira? O contra-relógio desta segunda-feira pôs os pontos nos ii e o uruguaio confirmou, em Vila Nova de Gaia, que é bem mais forte que o português na luta contra o cronómetro, alcançando, aos 27 anos, a principal vitória da carreira.

Quando Figueiredo partiu do Porto em direcção à cidade vizinha, às 17h em ponto, para cumprir os 18,6 quilómetros da tirada, era a Euskaltel que atraía as atenções. Rafael Reis (Glassdrive) começou por dominar o exercício individual, com 26m22,79s, mas apenas até o espanhol Asier Etxeberria (Euskaltel) reclamar o lugar na cadeira do líder (26m20,82s). Seguiu-se Txomin Arrieta (Euskaltel), com 26m15,56s, ainda que por pouco tempo. António Carvalho (Glassdrive) elevou a fasquia, ao completar o trajecto em 25m28,10s, e o único a conseguir destroná-lo foi o companheiro de equipa e novo (e definitivo) camisola amarela, Mauricio Moreira

O uruguaio de 1,89m, que no ano passado venceu a Volta ao Alentejo, foi o mais ágil e o mais veloz num traçado que combinava piso totalmente plano com segmentos mais irregulares, com a meta instalada na margem do Douro, do lado de Gaia. Rodou em 25m07,87s, cumpriu a missão e passou a aguardar, nos derradeiros instantes, com expectativa, pelo resultado da performance de Frederico Figueiredo. Para um trepador, o lisboeta não se exibiu nada mal (terminou em sétimo, a 1m16s), mas viu rapidamente esfumarem-se os ténues sete segundos de vantagem que levou para o último dia.

Numa corrida quase sem contrapeso numa balança dominada pela Glassdrive (o afastamento da W52-FC Porto escancarou as portas do triunfo à equipa de Vila Nova de Gaia), o destino há muito que estava traçado. Foram cinco etapas conquistadas, com especial destaque para a mítica subida ao Monte Farinha, a penúltima do calendário. Na Senhora da Graça, a Glassdrive monopolizou o pódio, numa clara demonstração de força, e acabou por repetir a façanha nas contas finais, com a ascensão de António Carvalho ao terceiro posto, por troca com Luís Fernandes (Rádio Popular/Boavista), no último fôlego.

O que explica esta diferença de rendimento face à concorrência? Rúben Pereira, director desportivo da equipa, foi bastante taxativo na justificação, sem esconder trunfos na manga: “Tenho os melhores ciclistas, contratei os melhores ciclistas, fiz esse investimento, os patrocinadores deram-me liberdade de contratar os melhores. Era mau se os resultados não aparecessem”, adiantou, em declarações à RTP.

Na prática, e segundo o dirigente, são 850 mil euros de orçamento anual, 380 mil euros para salários, 200 mil só em equipamento (bicicletas, rodas e demais adereços indispensáveis). Uma diferença enorme face à esmagadora maioria dos membros do pelotão nacional — o mesmo não poderá dizer-se das equipas ProTeam, como a Caja Rural, a Burgos, a Euskaltel ou a Human Powered Health —, que manteve a Glassdrive na frente do pelotão das apostas.

“Ainda não caí na realidade, ainda não acordei. Só posso dizer que é um sonho. Não gostava de discutir o contra-relógio com um colega de equipa, não queria de coração, mas foi assim. A única coisa em que conseguia pensar era na equipa e na minha família, que estava à minha espera na meta”, explicou Mauricio Moreira, aos microfones da RTP.

No dia em que Tiago Machado e Alejandro Marque também foram protagonistas — encerraram a carreira —, era incontornável ouvir Frederico Figueiredo, que vestiu a camisola amarela durante boa parte da prova para a “entregar” no derradeiro suspiro. “Jogámos uma cartada importante na fuga na etapa de ontem e isso foi determinante para conseguirmos os três primeiros lugares. O mais importante é a equipa ganhar. Estamos de parabéns”.

Um discurso tão altruísta quanto a decisão que tomou na Senhora da Graça, num momento em que poderia ter tentado cavar uma distância mais profunda, que lhe daria outro conforto no contra-relógio decisivo. Guardará, para o futuro, o segundo lugar do pódio, o prémio da montanha e o agradecimento emocionado de Mauricio Moreira.