Desde há cerca de dois meses que as localidades de São Domingos e São Francisco da Serra, em Santiago do Cacém, estão a ser abastecidas de água com camiões cisterna. “São as zonas mais secas do concelho, por vezes chove noutras áreas e ali não”, relata o presidente da câmara municipal, Álvaro Beijinha.
Apesar de incluído pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) nos 45% do território de Portugal continental que está em seca extrema (o nível mais grave), a maior parte do concelho de Santiago do Cacém tem evitado efeitos mais complicados no que toca à água para consumo humano. “Temos um dos maiores aquíferos do País, o de Sines-Santo André”, explicou ao PÚBLICO Álvaro Beijinha.
O pior é a agricultura de regadio da região: a barragem de Campilhas, que é dedicada à agricultura, está agora na cota dos 3%. “É a que está mais baixa no país. Mesmo no Inverno, a cota máxima não ultrapassou os 13%”, diz o presidente da Câmara de Santiago do Cacém.
Cerca de 2000 hectares de regadio não puderam ser regados, conta. Mas a esperança é trazer para lá água do Alqueva.
“Havia planos para trazer água do Alqueva até à zona industrial de Sines, para garantir água toda o ano – porque no Verão o caudal do Sado é muito baixo. Quando soubemos isto, propusemos à EDIA [Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva
] a ligação a Campilhas”, explica Álvaro Beijinha. Entretanto, avançou uma ligação do Alqueva à barragem de Fonte Serne, também em Santiago do Cacém, porque era mais perto e mais fácil. “A de Campilhas é mais complicada, estamos a discutir essa possibilidade”, diz o autarca.
Mas não se pode abusar do Alqueva como tábua de salvação. “Claro que, em tempos de seca, se o Alqueva começar a criar muitos braços, deixará de ter condições. Temos consciência de que não será um processo para amanhã, mas seria muito importante para a agricultura local”, justifica Álvaro Beijinha.
Segundo o boletim da seca do IPMA de final de Julho, “verificou-se uma diminuição generalizada dos valores de percentagem de água no solo em todo o território”. Aumentou também a área com valores inferiores a 10% de água no solo e iguais ao ponto de emurchecimento permanente. “A região do interior Norte e Centro permanece com valores de água no solo muito baixos, em particular os distritos de Bragança e Guarda”, diz o IPMA.
A Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, que envolve os Ministérios do Ambiente e da Agricultura, voltará a reunir-se para avaliar as medidas propostas em Junho e anunciar novas soluções a 24 de Agosto, disse o Expresso.
À espera do Outono
Trás-os-Montes é uma das áreas onde a seca tem sido mais grave. Em alguns locais, a quantidade de precipitação no ano hidrológico 2021/2022 é cerca de 50% inferior ao valor médio da região, diz o IPMA.
Em Mirandela, não há nenhum Alqueva salvador, e as captações de água este ano estão a ser mais elevadas. “Inferimos que, como os furos artesianos privados estão com falta de água, esteja a aumentar a procura de água da rede”, disse o vice-presidente da câmara municipal, Orlando Pires.
Já está a ser preciso abastecer algumas zonas. “De 1 de Julho a 4 de Agosto houve já 115 abastecimentos a reservatórios de água em vários pontos do concelho, o que representa 3,4 milhões de litros, num investimento de cerca de 35 mil euros”, sintetiza Orlando Pires.
“A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) tem colaborado connosco para elaborar campanhas de sensibilização da população e na avaliação dos abastecimentos de reservatórios de água, no sentido de o Ministério do Ambiente vir a cobrir algumas das despesas”, diz o vice-presidente de Mirandela.
Vários municípios da região de Trás-os-Montes assinaram um protocolo com a APA para terem meios de transporte de água para as populações que dela necessitam, ou para estações de tratamento. É o caso de Carrazeda de Ansiães: “Assinámos o protocolo e abrimos um concurso internacional para ter seis autotanques para transportar água do rio Tua para uma Estação de Tratamento de Águas”, explicou José Marcelino, chefe de gabinete do presidente da câmara. “Isto prevendo que podemos ter problemas a partir de Novembro, se não chover, em algumas aldeias”, esclareceu José Marcelino.
Mirandela, como outros concelhos, tem de lidar com uma grande população flutuante na altura do Verão, o que representa um desafio. “Os nossos emigrantes regressam à terra no Verão – em algumas aldeias a população aumenta 100% – e há o turismo que se tem desenvolvido muito, temos hotéis e alojamentos locais completamente ocupados, e isso representa um aumento do consumo de água”, explica o vice-presidente do município de Mirandela.
A câmara pôs em prática uma série de medidas para tentar poupar água, tal como outras autarquias. “Para precaver o Outono, e a possibilidade de continuarmos com uma baixa pluviosidade, iniciamos uma campanha de sensibilização da população para a poupança de água, reduzimos em 60% a rega de espaços verdes, suspendemos a lavagem da frota automóvel do município e vamos passar a plantar nos espaços verdes plantas mais capazes de resistir ao stress hídrico, além de combater as perdas de água nos edifícios municipais e nas escolas”, adianta Orlando Pires.
Mas pode haver uma segunda fase, mais drástica. “Se isto não for suficiente, passaremos à fase 2, o que vai ser decidido numa reunião da câmara a 25 de Agosto”, diz Orlando Pires. “Esta passa por encerrar fontes, bebedouros e chuveiros públicos, suspender a rega de jardins públicos, encerrar piscinas municipais, proibição do consumo da água da rede pública para a rega de jardins e hortas, lavagem de passeios, pátios e viaturas, e corte no abastecimento durante horas nocturnas e/ou limites de consumo por pessoa”, enumera.
No Minho, alguns concelhos estão já numa situação difícil. O presidente da Câmara de Melgaço, Manoel Batista, assume que poderá haver um corte do abastecimento de água para consumo humano já este mês e possivelmente em Setembro. No município já há corporações de bombeiros a “levar cisternas de água a reservatórios”. A Comunidade Intermunicipal do Alto Minho, a que preside, teve uma reunião com a APA para discutir um plano intermunicipal de contingência, adaptado às alterações climáticas, para períodos de seca.
Soluções articuladas
A APA tem feito estas reuniões de avaliação da escassez de água com várias câmaras e comunidades intermunicipais. “O objectivo tem sido discutir quais as melhores medidas a implementar a curto prazo”, explica o gabinete de comunicação da agência, contactado pelo PÚBLICO. “Mas também servem, num prazo mais alargado, para preparar os sistemas e as origens de água para o futuro. Muitas das situações de escassez foram agora verificadas pela primeira vez”. A APA ajuda a equacionar cenários, procurando soluções articuladas.
Exemplo dessa articulação é a “discussão de um pacto da água” que está a ser feita no concelho de Odemira, entre a autarquia, produtores agrícolas, empresários do turismo, a empresa distribuidora de água e a Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural. “Pretende-se o envolvimento do Governo e de todos os actores locais na criação de um quadro de responsabilidades e acções que visem o uso sustentável da água e aumento da resiliência da bacia hidrográfica do rio Mira”, explicou o presidente da câmara, Hélder Guerreiro.
Mirandela também aposta nas medidas articuladas. “Propusemos, no âmbito da Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes, tomar medidas concertadas. Por exemplo, a barragem do Azibo, que nos abastece, fica em Macedo de Cavaleiros, e fornece água a outros concelhos. Se algum fizer um consumo de água excessivo, pode prejudicar os outros, é preciso haver cooperação”, adiantou Orlando Pires.
O Algarve, onde a barragem da Bravura, em Lagos, está a registar níveis baixos históricos, abaixo dos 14%, é um exemplo da necessidade de alguma articulação entre concelhos. “A seca faz-se sentir mais no Barlavento do que no Sotavento. Mas o sistema de abastecimento público de água está ligado entre as duas regiões”, explica o presidente da Câmara de Olhão e da Comunidade Intermunicipal do Algarve, António Pina.
Ideias para evitar cortes
“A curto prazo, prevêem-se cortes no abastecimento público durante algumas horas, se não chover mais em Outubro-Dezembro do que choveu no ano passado”, diz o autarca.
Mas por ora as medidas são menos radicais. “Avançámos com o encerramento das piscinas municipais, a rega dos relvados das zonas verdes foi reduzida em 80% em Olhão, e outros concelhos fizeram o mesmo. Algumas lavagens dos espaços públicos só acontecem se forem mesmo muito necessárias, e com água das ETAR”, enumera António Pina.
Está a ser reutilizada água da ETAR de Vila Real de Santo António para regar campos de golfe, exemplificou. “Mas é preciso construir tubagem que vá até estes pequenos consumidores. Há dinheiro para isto no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas são projectos a médio prazo”, disse o autarca.
“Entretanto, tentamos promover a consciencialização do público para o problema da seca, e vemos que esta questão ainda não está madura. O consumo urbano de água é 15% mais elevado este ano do que em 2019, antes da covid-19”, diz o presidente da Câmara de Olhão.
Muitos municípios estão a sacrificar a rega dos espaços verdes, e a modificá-los. “Estamos a planear a requalificação de espaços ajardinados com a introdução de materiais inertes e a reconversão por espécies vegetais autóctones, mais adaptadas ao clima da região, o que reduz as áreas de rega e a frequência”, explicou Fábio Ventura, do gabinete de comunicação da Câmara de Lagos.
O Alandroal também tem em curso um projecto “de reconversão do coberto vegetal e arbóreo dos espaços urbanos com vista ao aumento do ensombramento”, explicou o seu presidente, João Grilo. Mas outra medida importante é o investimento na “reconversão da rede de distribuição de água mais obsoleta e com maiores perdas”, disse. “A rede foi criada há mais de 40 anos e nunca foi alvo de renovação, sendo neste momento o maior problema de gestão da água. O município espera poder candidatar estes projectos a fundos comunitários”, explicou.
Há quem esteja a preocupar-se sobretudo com o futuro. “O meu concelho fica por cima do maior lençol freático da Península ibérica. Os efeitos em termos de disponibilidade da água ainda não se notaram”, disse Pedro Ribeiro, presidente da Câmara de Almeirim e da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo.
“Mas estamos altamente preocupados porque no concelho de Almeirim a agricultura tem uma grande importância económica e social. Temos de encontrar soluções nas águas de superfície, no Tejo, se não vamos ter problemas sérios”, disse o autarca. “As comunidades intermunicipais da Lezíria do Tejo e do Médio Tejo, do Oeste e da Beira Baixa têm feito, juntamente com os agricultores, alguma pressão para que o Governo olhe para a questão de forma diferente”, disse Pedro Ribeiro.
Defende a construção de uma barragem no rio Ocreza. O ministro do Ambiente disse à agência Lusa que a APA está a fazer uma avaliação ambiental estratégica, esperada em Setembro, para discutir uma de três opções sobre este tema. “Obviamente que é para ser feito em algumas décadas, mas tem de se começar, porque corremos o risco de não ter água para a agricultura e ter a comprar. A pegada ecológica seria muito maior”, adverte Pedro Ribeiro.