Incêndio na Serra da Estrela dominado. Autoridades com “atenção redobrada” durante a tarde
Condições meteorológicas durante a tarde deste sábado poderão provocar reactivações, alerta Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil. De acordo com as autoridades, este incêndio representa cerca de 25 bombas de Hiroxima do ponto de vista da energia libertada.
O incêndio rural na Serra da Estrela foi dado como dominado desde as 23h36 de sexta-feira, mantendo-se actualmente um “trabalho de rescaldo e vigilância activa de todo o perímetro”. As autoridades vão também manter uma “atenção redobrada” durante a tarde deste sábado devido às condições meteorológicas, segundo revelou a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC) durante uma conferência de imprensa por volta das 12h, a partir da Guarda.
O ponto de situação foi feito pelo segundo comandante da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, Miguel Cruz, que explicou que a noite de sexta-feira “foi relativamente tranquila do ponto de vista das reactivações”. “Não houve reactivações significativas, apenas pequenas reactivações essencialmente no interior do perímetro. Mas durante a tarde teremos maior incidência das condições meteorológicas que são desfavoráveis à probabilidade de podermos ter reactivações”, explicou.
O comandante esclareceu que as previsões apontam para “um aumento do vento num quadrante de Oeste hoje mais pronunciado” e para uma subida da temperatura. “Vamos manter todo o trabalho de vigilância e consolidação dos pontos quentes que estão identificados”, garantiu.
Miguel Cruz revelou ainda que durante este sábado houve uma “aeronave a sobrevoar o perímetro e a identificar possíveis pontos quentes que possam existir utilizando câmaras térmicas para o efeito”.
A aldeia de Soida e a praia fluvial de Aldeia Viçosa, no concelho da Guarda, tiveram de ser evacuadas este sábado devido a um incêndio que é “totalmente independente do outro que esteve activo ao longo da semana” na Serra da Estrela, segundo disse à Lusa o comandante regional do Centro da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, António Ribeiro. O incêndio, cujo alerta foi dado às 15h36, “começou em Mizarela, junto às eólicas de Celorico da Beira, e desceu a encosta até ao rio Mondego”, no lado do concelho da Guarda, acrescentou. No local estão 214 operacionais, 48 veículos e oito aeronaves, segundo os números divulgados no site da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, consultado às 19h54.
465 operacionais, 433 veículos e cinco meios aéreos
Embora saliente não se tratar de um balanço final, o comandante deu nota de que há ainda, neste momento, 465 operacionais, 433 veículos e cinco meios aéreos envolvidos no teatro de operações e que, no total, houve um empenhamento neste incêndio de 16 máquinas de rasto de diferentes entidades, entre as quais a Afocelca, câmaras municipais, Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e Forças Armadas.
Segundo Miguel Cruz, foram assistidas seis pessoas, entre as quais um elemento da GNR, quatro bombeiros e um civil. O comandante disse ainda que há a registar 16 feridos ligeiros, entre os quais 13 bombeiros e três elementos do ICNF. Três bombeiros ficaram feridos com gravidade após um acidente com uma viatura dos bombeiros de Loures, que resultou num total de cinco feridos, quatro dos quais “já se encontram nas suas habitações e o quinto está a recuperar favoravelmente no hospital”.
O incêndio provocou ainda 126 deslocados da vila de Linhares que foram acolhidos na Pousada do Inatel, “a qual foi montada numa zona de concentração e apoio da população para assegurar o seu confinamento temporário”.
Os danos quantificados até ao momento incluem quatro dependências agrícolas, dois veículos e duas segundas habitações, assim como “algum quantitativo de edifícios devolutos desconhecido”.
Mais de 14.700 hectares de área ardida
De acordo com o comandante Miguel Cruz, a área ardida total cifra-se, neste momento, em 14.757 hectares. O Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (conhecido pela sigla inglesa EFFIS), que, através do recurso a imagens de vários satélites, permite detectar fogos com áreas ardidas superiores a um hectare, contabilizava na manhã deste sábado 17.179 hectares afectados pelo fogo. Questionado sobre esta disparidade nos dados, Miguel Cruz explicou que a informação publicada e disponível no site do Programa Copernicus aponta para cerca de 14.700 hectares de área ardida e que “alguém pode ter feito uma contabilização com base noutra escala de representação”. Os dados avançados pela ANEPC em conferência de imprensa têm por base imagens spot com resolução de dez metros, sendo, por isso, “bastante rigorosas”.
O Segundo Comandante Nacional de Emergência e Protecção Civil destacou ainda que o total de energia libertada por este incêndio nos últimos dias é de 766 terajoules de energia, sendo que o máximo registado foi de 242 terajoules no dia 10 de Agosto. “A bomba de Hiroxima representou cerca de 30 terajoules e, portanto, este incêndio representa cerca de 25 bombas de Hiroxima do ponto de vista da energia libertada. É um valor muito elevado. Se considerarmos o quantitativo global, é muito significativo”, acrescentou.
Este valor deve-se, sobretudo, à “quantidade de combustível disponível para arder conjugado com as condições meteorológicas, nomeadamente a ocorrência de forte instabilidade que se verifica na atmosfera e que originou aquelas grandes nuvens — designadas pirocúmulos — que fomos vendo ao longo dos dias e que são, de facto, o grande motor dos incêndios”.
O comandante Miguel Cruz esclareceu ainda que os focos de incêndio estão essencialmente identificados “naquela zona que identificamos no concelho da Guarda”, estando localizados no flanco direito. “É a zona que ainda apresenta maior quantidade de calor”, disse. Além disso, verificam-se “alguns pontos mais dentro do perímetro ardido de ilhas que existem no seu interior e que pontualmente libertam e consomem a parte verde que ainda existe”.
“Ainda assim, estamos a vigiar a totalidade do perímetro. Faremos essa monitorização apertada esta tarde para evitar que possam existir esses reacendimentos. Temos feito desde hoje de manhã uma incidência de meios aéreos também nestes pontos a aplicar e a fazer acções de descarga de água para garantir a completa consolidação conjugada com o trabalho dos meios terrestres”, concluiu.
Protecção Civil prevê extinção do fogo na Serra da Estrela em dois dias
O incêndio deflagrou na madrugada do dia 6 de Agosto em Garrocho, no concelho da Covilhã, no distrito de Castelo Branco, e as chamas estenderam-se depois ao distrito da Guarda, nos municípios de Manteigas, Gouveia, Guarda e Celorico da Beira. A Protecção Civil assumiu este sábado que o fogo poderá ser dado como extinto dentro de dois dias.
Na manhã deste sábado, o comandante Pedro Araújo, da ANEPC, sublinhou à Lusa que o fogo, que ocorreu a mais de mil metros de altitude e que estava a poucas horas de cumprir sete dias em fase activa, teve “características muito particulares, tanto de progressão como de vegetação, numa área que não ardia há vários anos, com uma manta morta muito extensa, uma carga calorífica muito elevada, a libertar muita energia”.
“Os incêndios em montanha têm características particulares mas que criam naturalmente muitas dificuldades aos operacionais, quer na progressão no terreno, quer também na capacidade que têm de transportar seja materiais, seja água, ou na consolidação das linhas de fogo. Não basta o meio aéreo largar água. É preciso actuar no terreno e fazer separação do verde do queimado, para que não haja continuidade”, explicou.
Em causa está uma área de parque natural, classificada, mas, segundo uma resposta enviada na sexta-feira à Lusa pela Comissão Nacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), “nada indica que o geoparque da Estrela perca tal classificação apenas por motivos relacionados com um fogo florestal”.
Também ao final da tarde de sexta-feira, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, considerou que o incêndio que deflagrou no sábado em Garrocho “é uma tragédia do ponto de vista do ambiente, da biodiversidade e do património ambiental”.
Já o primeiro-ministro, António Costa, defendeu que, quando o incêndio da serra da Estrela terminar, deve ser estudado “em pormenor” o que poderia ter sido eventualmente feito para evitar que o fogo ganhasse a escala que acabou por adquirir.
Às 00h30 deste sábado o único incêndio activo de grandes dimensões lavrava em Casal da Pereira, Tomar, no distrito de Santarém, desde as 19h48 de sexta-feira, numa zona de “difíceis acessos”, explicou à Lusa o comandante Pedro Araújo. Segundo o ponto da situação às 23h15, o fogo tinha três frentes, já com uma dominada, e lavrava em zona de pinhal e eucaliptal, tendo sido projectada para o teatro de operações uma máquina de rasto, por causa da dificuldade de acessos, adiantou o comandante da ANEPC.
Em pouco mais de sete meses, a área ardida total no país está agora nos quase 79 mil hectares, um valor global mais elevado do que o verificado em todo o ano passado e também superior a cada um dos valores anuais registados em 2020, 2019 e 2018, de acordo com dados do ICNF e da Pordata. É preciso recuar ao ano de 2017, quando se verificaram os incêndios em Pedrógão Grande, para observar valores superiores aos deste ano. Em todo o ano de 2017, arderam quase 540 mil hectares de floresta.