O documentário mais caro de Portugal é dedicado ao lince-ibérico e à biodiversidade escondida no montado
Entre Portugal e Espanha, este documentário expõe aos olhos humanos a vida que se esconde na tranquilidade dos montados. Para filmar os esquivos linces-ibéricos, foi preciso ficar “semanas e semanas à espera deles”, conta o realizador.
É uma visita guiada às muitas formas de vida que se escondem no montado alentejano e espanhol: desde as flores que brotam aos guarda-rios que mergulham para pescar ou aos linces-ibéricos que brincam com os seus irmãos. “O montado é possivelmente o lugar com mais biodiversidade da Europa e que é exclusivo da Península Ibérica”, conta ao PÚBLICO o realizador do documentário Montado – O Bosque do Lince-Ibérico, Joaquín Gutiérrez Acha. “É um ecossistema absolutamente único.” O documentário narrado pela actriz portuguesa Joana Seixas chega às salas de cinema portuguesas a 11 de Agosto.
Que não se vá ao engano: nem só de linces fala o documentário. Este é um filme dedicado ao montado e há também espaço para os outros animais que ali vivem, como as lontras, os guarda-rios, os coelhos-bravos, abutres, raposas, aranhas-caranguejo, sacarrabos, e até para árvores e plantas como o sobreiro ou a erva-viperina (soagem). Fala-se de pragas e de seca (mas também de alterações climáticas) e de como se teme que os próximos anos possam “abrir as portas ao avanço do deserto”.
Este é o documentário com maior orçamento até à data em Portugal, com cerca de quatro milhões de euros investidos na sua realização, segundo um comunicado da distribuidora do filme, Zero em Comportamento. O montado é considerado “um dos grandes santuários naturais”, albergando mais de 200 espécies, e o filme surge na sequência da candidatura do montado a património mundial da UNESCO. Estas planícies onduladas pintalgadas com sobreiros e azinheiras estão inscritas como paisagem cultural na lista indicativa portuguesa.
Neste documentário, faz-se uma “viagem imersiva” ao bosque ancestral que foi sendo moldado pelos humanos na Idade Média. “Ao longo dos séculos, usando o fogo e o gado para moldar a natureza às suas necessidades, os homens e mulheres da Ibéria fizeram surgir uma nova paisagem”: o montado. É o que se ouve nos segundos iniciais do filme.
Em pleno montado, um lince ameaçado
É também nestas paisagens que os linces-ibéricos costumam vaguear. Os linces gostam sobretudo de zonas florestais, como arvoredos, bosques e pastagens. Também gostam de se passear e caçar nos montados, ainda que se escondam de seguida por serem territórios muito abertos.
E são os linces que servem de subtítulo a este documentário (Montado – O Bosque do Lince-Ibérico). “É um animal que tem uma importância tremenda”, justifica o realizador Joaquín Gutiérrez Acha, dizendo que o lince-ibérico é o felino mais ameaçado do mundo. “Os especialistas ainda não consideram que o lince esteja salvo da extinção. Estão a trabalhar nisso, mas ainda é muito delicado.”
A população de lince-ibérico tem vindo a aumentar nos últimos anos, mas na década de 1990 esta espécie esteve perto da extinção: eram menos de uma centena entre Portugal e Espanha. Agora, depois de vários programas de recuperação, existem cerca de 1300 linces na Península Ibérica. Segundo o último balanço, existem 209 linces-ibéricos em Portugal, com 70 crias nascidas em 2021.
Apesar das boas notícias, ainda é difícil encontrá-los em lugar selvagem. “É muito difícil encontrar os linces porque se escondem de nós, mas também porque são muito poucos”, explica o realizador de 63 anos. “Podemos estar semanas e semanas à espera deles, são muito esquivos”, observa. Mas quando os apanham em câmara, há “momentos dramáticos e espectaculares”. No documentário, um desses momentos é quando duas crias e duas fêmeas de lince lutam entre si.
Este é o filme que se enquadra numa trilogia com outros habitats representativos da Península Ibérica: antes, o realizador espanhol explorou as regiões de Guadalquivir (2013) e Cantábrico (2017), nomeados para os Prémios Goya de cinema espanhol de Melhor Documentário.
Para concluir o filme Montado foram precisos cerca de dois anos de rodagem com seis meses de pós-produção, conta o realizador, que considera ser um tempo normal para este género de filme. “Foi muito esforço e tivemos de ter as melhores ferramentas que têm todos os documentalistas de natureza: a paciência e a perseverança”, brinca.
A tecnologia também ajuda. “Temos câmaras de alta velocidade para poder visualizar tudo o que os humanos não conseguem ver por ser tão rápido”, diz, mas também formas de ver em poucos segundos aquilo que levaria dias, como uma flor a brotar. Além disso, usam-se câmaras à distância para perceber quais as rotinas dos animais e para poderem ser filmados, assim como câmaras com disfarces para não afugentar os protagonistas selvagens.
Este documentário foi produzido pela Ukbar filmes, em co-produção com La Dehesa Producciones, Wanda Films e Wanda Visión, com a participação da RTP e com o financiamento do Governo de Espanha e o Instituto de Cinematografia e Artes Audiovisuais de Espanha, assim como da República Portuguesa, do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e do Pic Portugal.
A longa-metragem documental já se estreou em Espanha em 2020, em plena pandemia. “Por compromissos contratuais teve de ir para os cinemas à mesma”, explica o realizador espanhol. Só que “ninguém se atrevia a ir ao cinema, era visto como um foco de contágio”. Então recorreram à televisão. Aí, “foi um êxito absoluto”, recorda Joaquín Gutiérrez Acha.
“A audiência em televisão foi magnífica e estamos muito contentes pela resposta” – e a obra também foi nomeada para os Prémios Goya de Melhor Documentário e escolhido como um dos melhores filmes desse ano. E, mesmo que Portugal e Espanha não tenham muita “cultura do documentário”, o realizador acredita que estas obras são importantes para dar a conhecer a natureza que nos rodeia e a importância de a conservar.