Sou farmacêutica, concluí o curso em 2018. Quando surgiu a covid-19, veio o desafio de trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS), em Farmácia Hospitalar. Arrisquei. Quis ajudar as pessoas, através do meu saber.
Talvez muitos não saibam que existem farmacêuticos no SNS, mas se disser que eles gerem mais de 20% do seu orçamento percebe-se a sua importância. Ou se calhar não: nunca foram prioridade. Um estudo independente da Nova SBE, de 2021, diz que faltam 25% de farmacêuticos no SNS apenas para necessidades imediatas. Somos cerca de 1000: faltam 250.
O primeiro Estatuto da Farmácia Hospitalar é de 1962 e já previa o internato farmacêutico. Agora é chamado de Residência Farmacêutica (RF) e só através dela acedemos à Carreira Farmacêutica (CF). O Decreto-Lei 6/2020 regula a RF em três ramos (análises clínicas, farmácia hospitalar e genética humana) e prevê que haja uma prova nacional de acesso, à qual pode candidatar-se qualquer farmacêutico.
Para aceder à carreira, são precisos nove anos de formação: cinco de curso e quatro de especialidade (o tempo da RF). Quem reunir estas condições pode pedir o grau de especialista por equiparação à RF. Este procedimento pode ser aplicado, de forma adaptada e parcial, a quem exerça há menos de quatro anos no SNS.
Até aqui está tudo bem. Problema? As condições de transição só se aplicam a quem estivesse a trabalhar no SNS à data da entrada em vigor do decreto: 1 de Março de 2020. Precisamente quando se iniciou a pandemia em Portugal.
No Despacho 6417/2022, diz-se “que os profissionais de saúde são, desde sempre, o garante da qualidade da prestação de cuidados de saúde, tendo assumido, nos últimos dois anos, um papel determinante na resposta do país à pandemia”. Como resposta a esta pandemia, muitos colegas (cerca de 100, eu incluída) foram contratados para o SNS. Contudo, por causa de uma data com pouco sentido, não somos considerados para a equiparação parcial à RF.
Ninguém pensou que vão passar quase três anos até ao início previsto (efectivo?) da Residência Farmacêutica: 1 de Janeiro de 2023. Muitos de nós já temos metade da especialidade feita. Alternativa? Inscrição na prova de acesso, com todos os colegas. Sem garantir a transição a quem já trabalha no SNS. Ou vagas na RF para regularizar a situação: alguns podem consegui-las, mas ir para qualquer ponto do país. Será justo, para uns e outros? E para as instituições onde trabalham neste momento?
Haverá profissionais em diferentes carreiras a exercer as mesmas funções? Sendo que, com o aumento salarial para os técnicos superiores (o nosso vínculo actual), será melhor não ingressar na residência porque vamos ganhar menos? E como acedemos depois à carreira? Não é isto importante numa profissão liberal, com acto legalmente definido?
Mas, havendo vontade política, encontram-se soluções. Antes da primeira prova de acesso (29 de Setembro), deve rever-se a data de referência para a admissão à equiparação à RF. Para colegas do SNS que não fossem abrangidos, deviam ser criadas vagas suplementares de RF para regularizar a situação, com preferência pelo serviço onde trabalham. Os colegas dos serviços regionais dos Açores e Madeira, a quem também foi vedada a equiparação à RF, por mero critério geográfico, devem ser incluídos no processo.
Das decisões tomadas – e das não tomadas – depende não só o futuro dos farmacêuticos nesta situação. Depende, antes de mais, a garantia da prestação de cuidados farmacêuticos com qualidade e segurança aos cidadãos. É por eles que #euquerosersns.
(Indignados com esta situação, elaboramos um manifesto pela a equidade no acesso à RF estando disponível uma página de Instagram para dar a conhecer a situação em que nos encontramos.)