Nos últimos 20 anos só em seis choveu o considerado normal, em relação ao período 1970-2000, indica o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que alerta para secas mais longas e mais abrangentes.
“Em 14 dos últimos 20 anos registámos défice de precipitação em relação ao período 1970/2000, situação que propicia a ocorrência de períodos em que o território continental estará nas classes mais elevadas da seca meteorológica e consequentemente seca agrícola e hídrica”, disse fonte oficial do IPMA em resposta a perguntas da agência Lusa.
A propósito do período de seca que o país atravessa, com 55% do território continental em classe de seca severa e 45% em seca extrema, o IPMA alerta que em algumas das secas meteorológicas mais recentes os períodos secos duram mais tempo e “têm uma configuração espacial mais abrangente”.
E se ciclicamente a região Sul do Continente é a que regista maiores períodos de seca meteorológica, nos últimos anos mais regiões ficam em classes mais elevadas do índice de seca, nomeadamente a região norte transmontana e também o Norte litoral, explicou a fonte do IPMA.
Se for considerado o ano hidrológico, que vai de 1 de Outubro a 30 de Setembro do ano seguinte, o actual ano, até à data, é o segundo mais seco de sempre (desde 1931, quando começaram a ser compilados os dados), só ultrapassado pelo ano hidrológico 2004/2005.
Se forem considerados os números apenas entre Janeiro e Julho (ano civil) o IPMA nota que o ano mais seco foi o de 2005, seguindo-se 2012, pelo que este é terceiro ano mais seco desde 1931.
De acordo com dados da página oficial do IPMA sobre a monitorização da seca, actualizados na segunda-feira, no último ano nunca o país esteve sem seca em alguma região.
Em Julho do ano passado quase 40% do território continental estava normal e o restante em seca fraca, moderada ou severa. A situação agravou-se em Agosto (22% do território), mas melhorou nos dois meses seguintes. Só que a partir de Novembro piorou significativamente, só 8,1% do território estava então em condição considerada normal, passando a 6,3% em Dezembro, ou seja piorando ainda mais.
A partir de Janeiro de 2022 todo o Continente entrou em regime de seca, até hoje. Desde então tem predominado a seca extrema e a seca severa, excepções para Março e Abril em que a seca foi predominantemente moderada.
Segundo a fonte do IPMA ter áreas do Continente em seca desde o início do ano hidrológico é uma “situação recorrente”, especialmente na região Sul. Aliás, diz, “já ocorreram secas meteorológicas que duraram mais do que um ano hidrológico”.
Este ano, apontou ainda, o mês de Março até teve precipitação acima do normal, quer na região Norte (aproximadamente 130%) quer na região Sul, com aproximadamente 200%. Até tem sido registada precipitação, mensalmente, em todo o território, durante o presente ano hidrológico. “O que acontece é que os valores são muito reduzidos face ao que consideramos normal, isto é, quantidade de precipitação pouco expressiva quando estamos numa situação de défice de precipitação persistente.”
A chuva desde Outubro
O que choveu então desde Outubro do ano passado? Desde esse mês até hoje choveu praticamente metade do que seria um ano hidrológico normal, segundo o IPMA. Choveu até agora neste ano hidrológico 419 milímetros (mm), o que é 51% do que seria um valor normal.
Com todo o país continental em seca meteorológica, 55% em classe de seca severa e 45% em seca extrema, o IPMA considera que a seca “teria um desagravamento significativo” se nos próximos dois meses chovesse acima da média. Mas adianta que tal só acontece em 20% dos anos.
Em termos médios, teria de ocorrer em Setembro em Outubro, para que a situação melhorasse, algo como 150 mm em Setembro e 175 mm em Outubro.
Ainda que tenha chovido na Primavera deste ano, nalgumas regiões acima da média em Março, segundo resultados preliminares do boletim climático da Primavera a precipitação na estação correspondeu a 80% do normal.
A situação de seca do corrente ano hidrológico já vinha a agravar-se desde o Outono do ano passado, quando a quantidade de precipitação nos meses de Setembro a Novembro foi de 172,8 mm, o que correspondeu a cerca de 69% do valor médio. O último Outono, segundo o IPMA, foi o terceiro mais seco desde 2020. E o mês de Novembro foi especialmente seco, com menos 90,5 mm de chuva em relação ao valor médio.
Em resultado de um Outono com pouca chuva, a seca meteorológica estendia-se a quase todo o território no fim de Novembro e aumentou de intensidade a sul. No final do outono, 92% do território continental estava em seca meteorológica, ou seja, com falta de chuva.
No Inverno, a situação não melhorou, sendo a estação foi a quinta mais seca desde 1931. Os números mostram que o total de precipitação nos meses de Dezembro a Fevereiro, 117,6 mm, correspondeu apenas a 33% do valor médio.
Janeiro foi classificado como muito seco e Fevereiro como extremamente seco. Juntando à falta de chuva as temperaturas elevadas (o quarto Inverno mais quente desde 1931), o Inverno passado saldou-se por um agravamento da seca meteorológica, que se tornou mais intensa em todo o Continente. No fim do Inverno, 66% do Continente estava nas classes de seca mais graves, severa e extrema.
E, além das temperaturas elevadas, o país registou já este ano duas ondas de calor. Questionada pela Lusa sobre se tal agravou a situação de seca, a fonte do IPMA explicou que “a seca hidrológica que o território continental enfrenta está directamente relacionada com o défice de precipitação persistente registado e não tanto com a ocorrência de ondas de calor”.
“As ondas de calor são fenómenos que, de alguma forma, são integrantes de caracterização climática do território continental e com impacto na evaporação da quantidade de água armazenada nas albufeiras, barragens e represas”, acrescentou.
E choverá nos próximos meses? Segundo o IPMA, a actual previsão sazonal, “com todas as condicionantes conhecidas”, não indica “um sinal consistente de défice de precipitação”. “Poderemos prever que a precipitação ocorrerá com valores normais para esses períodos.” Mas avisa que, apesar do “sinal positivo em termos da precipitação”, e tendo em conta o que choveu até agora e o que se prevê, o défice de água nas barragens e albufeiras dificilmente será colmatado.