Pelosi foi um pretexto. Não foi uma provocação
Dizer que foi a visita de Nancy Pelosi que provocou Pequim e desencadeou uma escalada de consequências imprevisíveis é, citando um velho provérbio chinês, olhar para o dedo e não para onde ele está a apontar.
1. Começo por algumas perguntas. Os exercícios do Exército chinês que decorrem até hoje, ensaiando um cerco total a Taiwan, e que são os maiores de sempre, foram preparados em resposta à visita de Pelosi? Exercícios desta dimensão levam meses a preparar, como até qualquer leigo na matéria consegue compreender. Pequim estava a respeitar o status quo no conflito que a opõe à República da China, alegadamente quebrado pela visita de Pelosi a Taipé? Só no último ano, houve mais de mil violações do espaço aéreo e marítimo de Taiwan pelas forças aéreas e navais de Pequim. Sempre em crescendo. A visita de Pelosi foi um caso raro de desafio a Pequim? Poucos meses antes, uma delegação do Congresso norte-americano visitou a ilha; há visitas constantes de representantes políticos americanos e europeus altamente colocados. Pelosi pôs em causa a doutrina de “ambiguidade estratégica”, que assenta no reconhecimento de que só há “uma China”, que tem sido a linha oficial da política externa norte-americana desde que os dois países reataram relações diplomáticas em 1979, depois da histórica visita de Nixon a Mao, fez agora precisamente 50 anos? Não. Nenhuma declaração da presidente da Câmara dos Representantes pós em causa a linha oficial de Washington. Pelosi, como certamente repararam, foi falar de apoio total à democracia taiwanesa, não à independência. O Presidente Biden já tinha dito, em declarações que alguns quiseram interpretar como uma gafe, que os EUA defenderiam Taiwan, se Pequim tentasse uma anexação pela força. A discussão em Washington foi, na altura, sobre se as suas palavras significavam uma alteração da política de “ambiguidade estratégica”. O debate está instalado e há razões para que assim seja. Elas prendem-se directamente com a mudança da política externa chinesa e o fim abrupto da política de “um país, dois sistemas” quando, em 2019, Xi Jinping resolveu pôr fim ao estatuto especial de Hong Kong, negociado com o Reino Unido em 1997 para um período de transição de cinquenta anos, consagrado por um tratado internacional, rasgado unilateralmente. Com Xi Jinping, o discurso sobre a reunificação de Taiwan “se for preciso pela força”, tornou-se dominante.
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